Nossos dentes e maxilares são incrivelmente antigos. Eles são mais antigos que os dinossauros, mais antigos que os braços e as pernas, e até mais antigos que as árvores.
As adaptações que deram origem aos dentes são há muito tempo investigadas pelos paleontólogos. Estudos baseados em estimativas genéticas sugerem que os primeiros maxilares e dentes podem ter começado a aparecer há cerca de 450 milhões de anos.
Contudo, os fósseis mais antigos de vertebrados com mandíbulas encontrados até hoje datam de apenas cerca de 425 milhões, o que nos dá uma lacuna significativa entre estimativa e descoberta fóssil.
Em um trabalho recente, no entanto, o pesquisador You-an Zhu e colegas, da Academia Chinesa de Ciências, afirma ter descoberto um “cardume” inteiro de fósseis de peixes bem preservados, que datam de 436 milhões de anos, estabelecendo agora uma nova data para o registro mais antigo de mandíbulas e dentes (ZHU, 2022).
“Essa descoberta confirma o que nós já defendemos há anos, com base na observação de pedaços menores de fósseis”, diz Michael Coates, paleobiólogo da Universidade de Chicago, que não fez parte desta pesquisa.
“Análises genéticas já haviam apontado para esse período, conhecido como início do Período Siluriano, como uma era de rápida diversificação de vertebrados com mandíbula. No entanto, os peixes com dentes parecem ter deixado poucos registros fósseis nessa época. Normalmente observamos peixes sem mandíbula nesse período e as poucas espécies com mandíbula raramente são ósseas, como os peixes cartilaginosos (condrichthyes), ancestrais dos atuais tubarões e raias”, completou Coates.
“Este sítio paleontológico que nós descobrimos na China, contendo diversos exemplares de fósseis bem preservados, muda completamente essa história”, afirma o pesquisador Zhu. “O local está repleto de peixes ósseos com dentes – particularmente placodermes blindados – além de eventuais condrichthyan”.
Segundo Yara Haridy, paleontóloga da Universidade de Chicago, que não fez parte deste estudo, “esse local descoberto por Zhu é aquilo que os paleontólogos chamam de Konservat-Lagerstätte, um sítio fóssil com exemplares perfeitos de criaturas, que seriam normalmente perdidos em outros ambientes. Em condições normais é improvável que esses peixes se tornassem fósseis, exceto em circunstâncias verdadeiramente excepcionais, onde eles teriam sido enterrados rapidamente e protegidos de predadores e carniceiros”.
Espécies de peixes primitivos descobertas
Zhu e seus colegas descrevem várias espécies primitivas de peixes encontradas no cardume fóssil, mas nem todos com mandíbula.
Um dos fósseis mais bem preservados é de um peixe sem mandíbula chamado galeaspida, um espécie que parece um “disco com cauda”. Os ossos do escudo da cabeça deste animal são conhecidos há muito tempo, mas os novos fósseis encontrados na China revelam também como era a forma do corpo mole por trás desses ossos.
A espécie mais comum encontrada no cardume fossilizado foi de um peixe blindado com mandíbula, com apenas alguns milímetros de comprimento, chamado Xiushanosteus.
Outra espécie surpreendente é um novo parente comum aos peixes cartilaginosos chamado Fanjingshania renovata, uma criatura que pode complicar a forma como os paleontólogos compreendem os ancestrais dos tubarões, peixes ósseos e os extintos placodermes.
Isso porque, os primeiros membros de uma linha evolutiva podem não parecer nada com seus primos modernos. O Fanjingshania, por exemplo, apesar de ser um peixe cartilaginoso (condrichthyan) apresenta algumas características vistas apenas em peixes ósseos, como tecido ósseo duro com células vivas.
Os pesquisadores descobriram ainda um parente primitivo dos tubarões que eles chamam de Qianodus duplicis. Embora o corpo desse animal seja desconhecido, Zhu e seus colegas propõem que esses são os fósseis mais antigos conhecidos até agora de peixes primitivos com dentes. Isso afasta para trás a data da ocorrência dos primeiros dentes e mandíbula.
“Mas isso não significa que esses foram os primeiros animais dentados”, afirma Haridy. “Essa descoberta recua o surgimento dos dentes um pouco para trás, mas nada impede que essa evolução possa ter ocorrido em um momento ainda mais distante, ou até mesmo no período anterior, o ordoviciano, que remonta 443 milhões de anos”.
Para Coates, “essas novas descobertas na China são agora uma dica do que os paleontólogos devem procurar. Muitas vezes a sorte está do lado dos paleontólogos, como aconteceu com Zhu no seu sítio paleontológico, mas outros sítios interessantes podem existir por aí”.
De qualquer forma, graças a trabalhos como este, pouco a pouco, os primeiros dias da vida na Terra começam a ser revelados.
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Referências
ZHU, You-an et al. The oldest complete jawed vertebrates from the early Silurian of China. Nature, v. 609, n. 7929, p. 954-958, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 01 out. 2022.
Notícias
Ancient fish fossils highlight the strangeness of our vertebrate ancestors. Science News, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 maio 2022.
Haul of Fossil Fish Pushes Back the Origin of Teeth and Jaws. smithsonianmag.com, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 maio 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Fósseis de peixes primitivos sugerem que os dentes são mais antigos que imaginávamos. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, out. 2022. Disponível em: . Acesso em: .