Uma recente descoberta paleontológica ajudou a esclarecer a história de uma forma de vida intrigante e enigmática: os euglenoides (VAN-DE-SCHOOTBRUGGE, 2023).
Esses organismos unicelulares, situados em uma posição evolutiva única, desafiam as categorias tradicionais de classificação biológica, apresentando uma fusão peculiar de características tanto vegetais quanto animais.
Os euglenoides, pertencentes ao reino protista, são caracterizados por sua capacidade de obter energia tanto por meio da fotossíntese, assemelhando-se a plantas, quanto pela ingestão de outros seres, assemelhando-se a animais.
Esta característica dual, até então única, coloca-os em uma categoria especial no reino dos microorganismos.
Contudo, as espécies fósseis investigadas no atual estudo – datadas de meio bilhão de anos – são bem diferentes dos euglenoides contemporâneos, e, por isso, foram inicialmente confundidas com outros tipos de microfósseis, como ovos de vermes, cistos de algas ou esporos de samambaias.
O equívoco taxonômico resultou na designação, em 1962, de “conchas de Pseudoschizaea” para esses fósseis, refletindo a incerteza quanto à sua verdadeira natureza.
Imagem: VAN-DE-SCHOOTBRUGGE, 2023.
A reviravolta veio em 2012, quando os paleontólogos Bas van de Schootbrugge e Paul Strother identificaram fósseis circulares e estriados, anteriormente confundidos, como potenciais representantes de euglenoides.
A semelhança notável entre esses microfósseis e cistos de Euglena moderna, um euglenídeo contemporâneo descrito por colegas eslovacos, trouxe a confirmação definitiva.
A análise detalhada desses fósseis, conduzida por uma equipe internacional de cientistas, revelou uma estrutura de parede única e uma ultraestrutura distinta nos cistos.
O paleontólogo Wilson Taylor, da Universidade de Wisconsin-Eau-Claire, observou: “A estrutura das paredes não se assemelha a nada que seja conhecido. As costelas não são ornamentos, como em pólen e esporos, mas fazem parte da estrutura da parede”.
Imagem: VAN-DE-SCHOOTBRUGGE, 2023.
A dificuldade em induzir euglenoides vivos a se enquistarem no laboratório foi superada por meio de um vídeo do entusiasta da microscopia Fabian Weston.
Este vídeo forneceu uma comparação crucial, evidenciando o processo de enquistamento, reforçando ainda mais a identificação dos fósseis como euglenoides.
Essa descoberta não apenas resolve um enigma paleontológico de longa data, mas também tem implicações significativas na compreensão da história evolutiva da vida na Terra.
A capacidade única dos euglenoides de sobreviver a extinções em massa ao longo de eras geológicas pode ajudar a explicar os mecanismos de resistência desses organismos microscópicos diante de eventos catastróficos.
Ao estabelecer uma possível linha do tempo profunda para a vida dos euglenoides, os pesquisadores agora esperam identificar exemplos ainda mais antigos, possivelmente remontando à raiz da árvore da vida eucariótica.
Essa descoberta destaca a resiliência notável desses microorganismos, que, ao contrário de suas contrapartes gigantes, conseguiram resistir a desastres naturais ao longo de bilhões de anos.
Esta descoberta não apenas aprimora nossa compreensão da diversidade da vida, mas também ressalta a importância de explorar os mistérios ocultos nos registros fósseis para desvendar os segredos do passado da Terra.
Vídeos
Vídeo: Canal “Microscopia e Ciência” em Youtube.
Referências
VAN DE SCHOOTBRUGGE, Bas et al. Recognition of an extended record of euglenoid cysts: Implications for the end-Triassic mass extinction. Review of Palaeobotany and Palynology, p. 105043, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 2 jan 2024.
Cite-nos
SANTOS, Fábio. Fósseis misteriosos não são plantas nem animais, mas uma “estranha fusão”. Ciência Mundo, jan 2024. Disponível em: . Acesso em: 28 fev 2024.
Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.
