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Humanos modernos e neandertais conviveram por milênios, sugerem artefatos

Ferramentas de pedra e ossos indicam que o Homo sapiens ocupou o norte da Europa muito antes do desaparecimento dos neandertais.

Humanos modernos e neandertais conviveram por milênios, sugerem artefatos -

Imagem: Escavação na aldeia alemã de Ranis (Marcel Weiss)

Há mais de 45.000 anos, pequenos grupos de caçadores, perseguiram cavalos, renas e mamutes por vastas extensões de tundra no norte da Europa, enfrentando condições severas durante a última era do gelo

Por mais de um século, arqueólogos analisam vestígios deixados por esses grupos em alguns locais da Europa, para tentar descobrir se eles eram os últimos neandertais ou os primeiros humanos modernos a explorar o norte do continente.

Recentemente, três estudos publicados na revista Nature trouxeram novas evidências, que tentam esclarecer esse intrigante capítulo da história humana.

Um dos trabalhos destaca a recente descoberta de fragmentos de ossos de hominídeos em uma caverna na vila de Ranis, na Alemanha, entre 2016 e 2022 (SMITH, 2024)

Os ossos, com mais de 45.000 anos, foram identificados como pertencentes à espécie Homo sapiens, indicando a presença de humanos modernos na Europa muito antes do desaparecimento dos neandertais. 

Esta descoberta contradiz a teoria de que os humanos modernos substituíram rapidamente os neandertais em uma única onda migratória.

Além disso, os ossos de Ranis foram encontrados junto com uma forma de lâmina de pedra, conhecida como Lincombian-Ranisian-Jerzmanowician (LRJ), normalmente atribuída aos neandertais na arqueologia. 

Contudo, os pesquisadores agora sugerem que essa técnica pode ser uma característica distintiva dos humanos modernos que chegaram à Europa, e não dos neandertais. 

Isso também indica que os primeiros humanos modernos estavam mais amplamente distribuídos na Europa do que se pensava, coexistindo e interagindo com os neandertais.

Outro estudo relata a descoberta de ossos humanos modernos em Bacho Kiro, Bulgária, e Zlatý kůň, República Tcheca, apoiam a ideia de migrações gradualmente dispersas, em vez de uma única onda de ocupação (MYLOPOTAMITAKI, 2024)

A análise genética dos restos em Bacho Kiro mostrou que as pessoas lá tinham ancestrais neandertais em até seis gerações, mas uma mulher em Zlatý kůň não tinha tal ancestralidade recente. 

Esses resultados sugerem encontros e interações entre as duas espécies.

O desafio do frio para os humanos modernos 

Os desafios enfrentados por esses primeiros colonizadores também são evidenciados em um trabalho que descreve as condições climáticas extremas da época (PEDERZANI, 2024)

A caverna de Ranis ofereceu uma janela única para o passado, com camadas preservadas que continham não apenas ossos humanos, mas também vestígios de fauna como renas, rinocerontes peludos e ursos. 

Isótopos de oxigênio nos dentes de cavalos revelaram um ambiente “peri-Ártico”, de 7°C a 15°C mais frio do que a Alemanha moderna.

Essa descoberta desafia a teoria de que os humanos modernos, originários de latitudes tropicais na África, evitavam ambientes frios. 

A transição rápida de grupos humanos de áreas tropicais para a estepe gelada do norte da Europa, há cerca de 48.000 anos, sugere uma capacidade surpreendente de adaptação.

Contudo, a migração desses grupos em poucos milênios é surpreendente e ainda levanta questões sobre o que atraiu esses pioneiros para ambientes tão hostis.

Como os pesquisadores conseguiram as evidências?

A equipe de pesquisa enfrentou desafios significativos para chegar às camadas LRJ em Ranis, incluindo a remoção de grandes blocos de rochas e a escavação através de 8 metros de detritos. 

No entanto, a preservação excepcional do material orgânico na fria caverna permitiu a datação por radiocarbono e testes genéticos. 

Os restos coletados nas décadas de 1930 e armazenados em Halle, Alemanha, também contribuíram para a pesquisa.

Conclusão 

Embora algumas incertezas persistam, como a atribuição de todos os sítios LRJ a Homo sapiens, as recentes descobertas fornecem uma visão mais complexa e matizada da interação entre humanos modernos e neandertais na Europa. 

Ao invés de uma substituição rápida, parece ter havido uma coexistência prolongada e interações entre esses grupos, destacando a complexidade da história humana no continente europeu durante esse período.

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Referências

MYLOPOTAMITAKI, D. et al. Homo sapiens reached the higher latitudes of Europe by 45,000 years ago. Nature, 2024. Disponível em: <link>. Acesso em: 1 fev 2024.

PEDERZANI, S. et al. Stable isotopes show Homo sapiens dispersed into cold steppes ~45,000 years ago at Ilsenhöhle in Ranis, Germany. Nature ecology & evolution, 2024. Disponível em: <link>. Acesso em: 1 fev 2024.

SMITH, G. et al. The ecology, subsistence and diet of ~45,000-year-old Homo sapiens at Ilsenhöhle in Ranis, Germany. Nature ecology & evolution, 2024. Disponível em: <link>. Acesso em: 1 fev 2024.

Cite-nos

SANTOS, Fábio. Humanos modernos e neandertais conviveram por milênios, sugerem artefatos. Ciência Mundo, fev 2024. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.