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O crânio humano mudou bastante nos últimos 160.000 anos, mas não pelo motivo que imaginávamos

Uma análise fóssil inovadora sugere que a caixa craniana humana evoluiu em função de alterações na face, e não por demandas (físico) cognitivas do cérebro.

O crânio humano mudou bastante nos últimos 160.000 anos, mas não pelo motivo que imaginávamos -

Imagem: (ZOLLIKOFER, 2022)

O formato físico do crânio humano nos últimos 160.000 anos foi provavelmente estimulado por alterações na face, resultantes de mudanças na dieta e no estilo de vida dos nossos antepassados, e não pela evolução do próprio cérebro como se pensava anteriormente, sugere um estudo.

A caixa craniana dos primeiros humanos modernos, que viveram há 200.000 anos, não era muito diferente em volume da dos humanos de hoje, mas tinha uma forma significativamente diferente, sugerindo que o crânio se tornou mais redondo ao longo do tempo por algum motivo.

A hipótese principal sempre foi a de que mudanças no comportamento humano, como o desenvolvimento de ferramentas e a arte, fizeram com que o cérebro demandasse uma nova arquitetura, com um novo formato, alterando assim as dimensões do crânio que o protege.

Contudo, as evidências fósseis para essa teoria sempre foram escassas, e, dessa forma, outras hipóteses de pesquisa igualmente relevantes tentam identificar outros aspectos desse período de adaptação humana. Os críticos da teoria da “mudança da caixa craniana em função do cérebro” afirmam que, fisiologicamente, é simples para um crânio com um rosto grande abrigar cérebros maiores, mas se considerarmos um rosto pequeno, as coisas se complicam.

Para investigar o que realmente motivou essa transformação na caixa craniana, Christoph Zollikofer — da Universidade de Zurique, na Suíça — e colegas restauraram digitalmente os crânios de 50 hominídeos encontrados na Etiópia e em Israel, incluindo tanto o Homo sapiens, quanto espécimes de Homo erectus e Homo neanderthalensis (Neanderthal) para comparação. Os modelos 3D dos fósseis foram então comparados com 125 espécimes humanos modernos (ZOLLIKOFER, 2022).

Descoberta e restauração dos crânios encontrados em Herto, Etiópia. (A-F) Crânio de um Homo sapiens adulto. (G-K) Crânio de uma criança Homo sapiens
Descoberta e restauração dos crânios encontrados em Herto, Etiópia. (A-F) Crânio de um Homo sapiens adulto. (G-K) Crânio de uma criança Homo sapiens (ZOLLIKOFER, 2022).

Para a surpresa da equipe, os resultados mostraram que, embora o tamanho e as proporções dos crânios das crianças primitivas sejam comparáveis ​​às crianças de hoje, as proporções dos crânios adultos são notavelmente diferentes dos adultos modernos, com rostos muito mais longos e características mais pronunciadas.

Para os pesquisadores, comparar as caixas cranianas de crianças e adultos primitivos, com a de crianças e adultos modernos permitiu pela primeira vez investigar a influência do próprio cérebro (ou não) na evolução do formato do crânio humano.

A equipe concluiu que os rostos humanos continuavam a crescer até os 20 anos, mas o cérebro atingia cerca de 95% do seu tamanho adulto aos 6 anos.

Se os fósseis das crianças sugerem que seus cérebros eram quase totalmente desenvolvidos, como nas crianças atuais, mas os fósseis dos adultos apontam para crânios muito diferentes, conclui-se que a caixa craniana mudava por algum outro motivo, que não o cérebro, afirma Zollikofer. “Se não é o cérebro que impulsiona essa mudança, devemos procurar por outra coisa, como respirar, comer ou se mover”, afirma o pesquisador.

Restauração digital dos crânios dos Homo sapiens primitivos e seus endocasts. Esquerda: crânio de um indivíduo adulto. Direita: crânio de uma criança
Restauração digital dos crânios dos Homo sapiens primitivos e seus endocasts. Esquerda: crânio de um indivíduo adulto. Direita: crânio de uma criança (ZOLLIKOFER, 2022).

Os pesquisadores levantaram, então, uma hipótese cautelosa que considera que mudanças na dieta ou uma necessidade reduzida de oxigênio podem ter sido responsáveis por essa evolução. Isso corrobora com estudos anteriores que mostram que essa mudança se acelerou quando os humanos deixaram de ser caçadores-coletores para se tornarem agricultores, há 12.000 anos (LACRUZ, 2019). Como eles comiam alimentos mais macios e caçavam menos, isso exigia uma força menor do crânio para a mastigação e menos oxigênio para corrida.

Para Chris Stringer — do Museu de História Natural de Londres — os autores estão certos em se manter cautelosos, já que também há pouca evidência de grandes mudanças na dieta desses hominídeos entre a Idade da Pedra Média e Tardia, época em que essas alterações na caixa craniana ocorreram.

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Referências

LACRUZ, Rodrigo S. et al. The evolutionary history of the human face. Nature ecology & evolution, v. 3, n. 5, p. 726-736, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 2 ago 2022.

ZOLLIKOFER, Christoph et al. Endocranial ontogeny and evolution in early Homo sapiens: The evidence from Herto, Ethiopia. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 119, n. 32, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 2 ago 2022.

Notícias

Shape of human brain has barely changed in past 160,000 years. New Scientist 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 2 ago 2022.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. O crânio humano mudou nos últimos 160.000 anos, mas não pelo motivo que imaginávamos. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, ago 2022. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.