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Múons já são usados para investigar estruturas ocultas na Terra

Na muografia, cientistas utilizam detectores ao redor de objetos grandes, para observar a trajetória dos múons, revelando interiores inacessíveis.

Múons já são usados para investigar estruturas ocultas na Terra - Múons em pirâmide.

Imagem: Ciência Mundo Art.

Os múons são partículas subatômicas similares a elétrons, porém muito mais pesadas, produzidas naturalmente quando partículas cósmicas se chocam com a atmosfera da Terra. Eles duram pouco tempo (cerca de 2,2 microssegundos), mas são abundantes na atmosfera e podem atravessar grandes estruturas, como montanhas ou pirâmides inteiras.

A muografia é uma técnica que usa os múons que “chovem da atmosfera” para visualizar a estrutura interna de objetos, como rochas, contêineres ou construções. É como produzir uma imagem de raios-X, mas usando uma fonte natural de partículas em vez de radiação.

diagram showing particles hitting Earth's atmosphere and creating other types of particles
Partículas criadas a partir da colisão de raios cósmicos com a atmosfera.
Imagem: A. GIAMMANCO em Science News.

A ideia da muografia é medir como os múons se espalham ao atravessarem um objeto, o que permite determinar a distribuição de massa e a presença de materiais densos. Atualmente, pesquisadores têm utilizado essa estratégia para investigar estruturas ocultas de objetos sem a necessidade de abri-los.

model of a volcano showing the paths of muons running through the volcano in red and hitting detectors in blue on the other side
Na muografia, os pesquisadores capturam os múons que atravessam um objeto (linha vermelha) através de um detector de partículas (azul) para mapear sua densidade.
Imagem: G. Bonomi em Science News.

Recentemente, a muografia tem sido bem sucedida em aplicações que variam desde a descoberta de câmaras secretas em pirâmides, até a varredura de vulcões que podem entrar em erupção.

A muografia utiliza os raios cósmicos não para entender o universo lá fora, mas para nos ajudar a entender algumas estruturas físicas do nosso planeta..

Investigando as antigas pirâmides

A tecnologia de muografia tem se mostrado uma ferramenta valiosa para investigar as antigas pirâmides. A técnica foi usada pela primeira vez na década de 1960, quando o físico Luis Alvarez e seus colegas procuraram por câmaras escondidas na pirâmide de Quéfren, em Gizé. Embora não tenham encontrado nenhuma sala inesperada, provaram que a técnica funcionava.

A tecnologia da época era limitada, pois os detectores de múons eram volumosos e funcionavam melhor em condições controladas de laboratório. A equipe de Alvarez usou câmaras de ignição, que são preenchidas com gás e placas de metal sob alta tensão, para identificar os múons. Quando as partículas carregadas passavam por essas câmaras, criavam rastros de ignição.

Hoje, devido aos avanços na física de partículas, as câmaras de ignição foram amplamente substituídas. Agora, os detectores são muito mais compactos e robustos, e podem ser projetados para funcionar fora de um laboratório controlado. Um exemplo disso é o detector construído com plástico que contém uma substância química chamada cintilador, que libera luz quando um múon ou outra partícula carregada passa por ele. A luz é então captada e medida por aparelhos eletrônicos.

diagram showing the interior chambers of the Great Pyramid, scintillator and nuclear emulsion detectors, and gas detectors
Por dentro da pirâmide.
Os cientistas colocaram três tipos diferentes de detectores de múons dentro e ao redor da Grande Pirâmide para mapear a densidade da estrutura e procurar por câmaras escondidas.
Imagem: K. MORISHIMA em Science News.

Em 2017, uma espécie de detector conhecido como filme de emulsão nuclear foi crucial para descobrir o vazio oculto da Grande Pirâmide de Gizé, no Egito. Esses detectores registram rastros de partículas em um filme fotográfico especial. Os detectores são colocados no local por um período de tempo e depois levados a um laboratório para análise.

O físico de partículas Kunihiro Morishima, da Universidade de Nagoya, ajudou a descobrir a câmara secreta através de seu trabalho no projeto internacional ScanPyramids. Segundo Morishima, as emulsões nucleares são leves, compactas e não requerem fonte de alimentação, o que significa que vários detectores poderiam ser colocados em locais privilegiados na pirâmide. A equipe colocou detectores de emulsão em 20 locais da pirâmide, bem como detectores de gás em vários pontos diferentes.

Usando esses instrumentos, os pesquisadores determinaram que o vazio da pirâmide Gizé tem mais de 40 metros de comprimento e sua finalidade ainda é desconhecida.

Os detectores de emulsão nuclear são compactos o suficiente para serem instalados em um pequeno local próximo à Câmara da Rainha na Grande Pirâmide.
Imagem: Morishima – Universidade de Nagoya / Science News.

Uma pesquisa mais extensa da Grande Pirâmide, colocando detectores muito maiores, do lado de fora da construção, está sendo planejada por outra equipe de cientistas, liderada pelo físico Alan Bross do Fermilab. Eles pretendem usar técnicas avançadas de raios-X para examinar as estruturas internas da pirâmide. A equipe espera descobrir mais sobre a construção da pirâmide, bem como qualquer outra câmara escondida ou espaço vazio que possa existir.

Além da pirâmide de Gizé, outras pirâmides em todo o mundo estão sendo analisadas através da muografia. Garcia-Solis e seus colegas, por exemplo, estão planejando a muografia da pirâmide maia conhecida como El Castillo em Chichén Itzá, no México. Outro grupo liderado por Morishima está planejando trabalhar com outras pirâmides maias.

Os cientistas esperam que a muografia possa revelar novas câmaras ou características que não são visíveis com técnicas tradicionais, como ultrassom, radar de penetração no solo e raios-X, que conseguem apenas penetrar por uma curta distância na superfície. Segundo Bross “múons são fantásticos” para o estudo de pirâmides.

Examinando o interior de um vulcão

Os vulcões são uma ameaça conhecida em várias partes do mundo. O Vesúvio, por exemplo, localizado em Nápoles, na Itália, ficou famoso por destruir a antiga cidade de Pompeia em 79 d.C.

Embora ele esteja inativo desde 1944, se entrasse em erupção agora, colocaria em risco a vida de cerca de 600.000 pessoas Por isso, é importante entender melhor o Vesúvio e seus perigos.

Nápoles e várias outras comunidades na Itália estão perigosamente perto do Monte Vesúvio. Por isso os cientistas estão usando a muografia para tentar prever os perigos do vulcão.
Imagem: Dronaut em Wikimedia Commons.

Para isso, uma equipe de pesquisadores, liderados por D’Errico, está realizando um experimento chamado Radiografia de Múons de Vesúvio (MURAVES), com o objetivo de mapear a densidade das rochas no topo do domo do Vesúvio.

Usando detectores de múons a 1,5 km da cratera do vulcão, a equipe já apresentou indícios preliminares de diferenças de densidade entre as metades noroeste e sudeste do vulcão. Essas análises devem ajudar a entender a estrutura interna do vulcão, que se acredita ter camadas devido a erupções repetidas.

A compreensão da estrutura de um vulcão é importante para prever quais riscos esperar em uma eventual erupção e quais medidas tomar para reduzir os riscos para as pessoas que vivem nas proximidades.

A física de particulas Cristina Cârloganu, que estudou o vulcão adormecido Puy de Dôme, na França, acredita que os múons serão úteis para apontar fraquezas estruturais, mas não para avisar quando o vulcão vai entrar em erupção.

Outros pesquisadores, no entanto, estão mais otimistas sobre a capacidade dos múons de dar alertas oportunos.

Segundo o físico Hiroyuki Tanaka, que estuda o vulcão ativo de Sakurajima, a muografia está pronta para ser incluída nos sistemas de alerta de vulcões, porém alguns trabalhos ainda precisam ser feitos para integrar esta técnica com outros métodos consagrados, como medições sísmicas, observações de deformação do solo e emissões de gases vulcânicos.

A muografia revelou um tampão recém-formado de material mais denso (oval vermelho) abaixo da cratera Showa do vulcão Sakurajima no Japão. Esta imagem muográfica, feita com dados obtidos em 2018 e sobrepostos a uma foto do vulcão, sugere por que a cratera parou de entrar em erupção. Cores mais vermelhas indicam material mais denso, enquanto o azul é menos denso.
Imagem: László Oláh e Hkm Tanaka em Science News

Revelando Contrabando

De acordo com o físico de partículas Andrea Giammanco — da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica — os múons podem ser usados para ajudar as autoridades a espiar dentro de contêineres fechados.

Seu projeto, que é financiado pela União Europeia, e se chama Silent Border, pretende desenvolver uma técnica para descobrir o contrabando de produtos perigosos em postos alfandegários, sem precisar abrir os veículos para inspecioná-los. A técnica consiste em medir como os múons se espalham ao passarem pelos veículos.

Quando os múons passam por um veículo ou contêiner, alguns são absorvidos e outros se espalham, mudando de direção. Usando detectores acima e abaixo do veículo, os cientistas podem observar como a trajetória de um múon muda à medida que passa por ele.

Como os múons tendem a se espalhar em ângulos maiores em materiais feitos de elementos mais pesados, como o urânio, essa técnica pode revelar o transporte ilegal de substâncias perigosas.

Além disso, os cientistas estão estudando a dispersão de múons para medir campos magnéticos fortes, como reatores experimentais de fusão nuclear, que podem estar disponíveis em breve.

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Vídeos

Notícias

Muons spill secrets about Earth’s hidden structures. Science News, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 maio 2023.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Múons já são usados para investigar estruturas ocultas na Terra. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, fev 2023. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.