Marcus Tullius Cícero — estadista e filósofo romano — disse uma vez, em uma de suas dissertações, que “as moedas estavam sendo jogadas de um lado para o outro, e ninguém era capaz de saber quanto, realmente, se tinha”, ao se referir a crise monetária romana, de 87 a.C.. Alguns séculos depois, essa pequena (e confusa) passagem alimentou vários debates sobre o que o filósofo estaria dizendo.
O arqueólogo Kevin Butcher — da Universidade de Warwick, no Reino Unido e especialista na cunhagem de moedas romanas e gregas — afirma que talvez tenha resolvido este enigma, com a ajuda das próprias moedas.
Segundo Butcher, em 91 a.C. o estado romano estava à beira da falência, parte devido a uma guerra social contra seus aliados italianos, que reivindicavam cidadania romana para votar nas eleições. Pouco tempo depois, em 89 a.C., Roma estava atolada em dívidas, o que fez as pessoas perderem a confiança no Estado, e consequentemente, em sua moeda, o denário.
Cícero em seu texto afirma que os romanos teriam recorrido aos pretores (juízes da época) para solucionar a crise. Uma figura de destaque foi Marcus Marius Gratidianus, um pretor, que ficou famoso na época ao ganhar, indevidamente, popularidade e crédito pela “reforma da moeda”, apesar das regras terem sido redigidas por vários pretores e tribunos.
Basicamente, as medidas de Gratidianus reafirmavam a antiga taxa de câmbio entre a prata (o Denário) e o bronze (o Como) e introduziam um método para detectar dinheiro falsificado — que na época era a moeda de bronze, chapeada em prata.
Segundo Butcher, infelizmente, a escolha de palavras de Cícero é muito obscura para os historiadores determinarem exatamente o que estava acontecendo. Seu objetivo ao escrever sobre esse momento da história romana não era narrar uma crise financeira, mas usar o incidente para mostrar o mau comportamento de um magistrado romano que tomou crédito pelo trabalho dos outros.
Para elucidar melhor as frases de Cícero, o professor Butcher e colegas, analisaram a composição de algumas moedas cunhadas nesse período, através de técnicas de amostragem minimamente invasivas para evitar danos às preciosas relíquias de prata, com cabeças de deuses e líderes romanos.
Inicialmente, os pesquisadores descobriram que o denário era cunhado em prata pura, até 90 a.C., caindo para 95%, e depois para 90%, com algumas moedas chegando a 86%, sugerindo que o dinheiro foi produzido às pressas, durante uma grave crise financeira.
A desvalorização da moeda se alinha com outras evidências de problemas financeiros, como, por exemplo, a medida incomum, tomada pelo Estado, de vender terras públicas para comprar grãos em 89 a.C..
Além disso, um aumento maciço na produção de dinheiro é evidenciado em 90 a.C., com a fabricação de 2.372 matrizes para cunhar moedas e somar as 677 já disponíveis no ano anterior.
Uma das hipóteses de Butcher é a de que Cícero ao dizer “ninguém era capaz de saber quanto, realmente, se tinha” se refere aos cidadãos não saberem se os denários que eles tinham eram puros ou não (chapeados).
Uma descoberta interessante, feita através da análise das moedas, é que após a publicação das medidas de Gratidiano, o padrão de refinamento do denário aumentou acentuadamente, revertendo sua degradação e restaurando sua qualidade com o passar dos anos.
Nos anos seguintes, os romanos mais uma vez desvalorizaram sua moeda durante a guerra civil entre Pompeu e Júlio César (49 a.C. a 45 a.C.). Na ocasião, Roma aumentou os impostos dos cidadãos para financiar os confrontos e garantir sua estabilidade financeira, embora essa degradação não tenha sido na mesma intensidade que 87 a.C..
O trabalho do professor Kevin Butcher ainda está em andamento.
Notícias
An Ancient Financial Crisis Has Been Discovered… in Roman Coins. Science News, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 18 abr. 2022.
Research team sheds light on Roman financial crisis. Warwick, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 18 abr. 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Moedas revelam uma grande crise financeira em Roma. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, abr. 2022. Disponível em: . Acesso em: .