Pular para o conteúdo

O que é o metaverso e como ele pode fazer a realidade desaparecer?

Não tem mais volta. O Facebook agora é Meta. Quais são as intenções de Mark Zuckerberg ao transformar sua rede social em um metaverso?

O que é o metaverso e como ele pode fazer a realidade desaparecer? - Metaverso

Imagem: Composição de RoySnyder e JESHOOTS-com, disponíveis em Pixabay.

Em outubro de 2021 Mark Zuckerberg anunciou que sua organização Facebook passa agora a se chamar Meta. Ele justificou a mudança alegando que o antigo nome não representava tudo o que a empresa pretendia ser nos próximos anos, e que a nova denominação “Meta”, que significa “além”, expressa melhor esse sentimento. Contudo, o que mais chamou a atenção não foi a mudança de nome em si, mas a proposta que estava por trás dela. Zuckerberg afirmou que sua empresa deixará de ser apenas uma rede social para se tornar um metaverso.

Logo da "nova" empresa de Mark Zuckerberg. 
Um símbolo do infinito com uma grafia que lembra a letra "M".
Logo da “nova” empresa de Mark Zuckerberg.
Um símbolo do infinito com uma grafia que lembra a letra “M”.
Imagem: Extraído de vídeo no canal “Meta” em Youtube.

A notícia pegou de surpresa até os entusiastas, que acreditavam que esse conceito moderno de acesso online, visto apenas em filmes de ficção, só estaria disponível em pelo menos 30 anos. Grandes empresas, como Microsoft, NVIDIA e Google, que já estavam trabalhando em produtos voltados para metaversos, se viram provocadas pela antecipação do projeto visionário de Zuckerberg e rapidamente começaram a mostrar também seus protótipos. Investidores do mundo inteiro também começaram a fazer suas “apostas”, o que fez o valor das ações das empresas envolvidas nesse novo setor quase dobrar em apenas um mês.

Mas afinal, o que é metaverso?

Um metaverso é um mundo virtual tridimensional que pode ser acessado por celulares, computadores, ou óculos de imersão. Nesse ciberespaço as pessoas podem se reunir, trabalhar, comprar coisas e se divertir como se estivessem no mundo real. Para quem gosta de jogos online – como o World of Warcraft – o conceito de metaverso talvez pareça familiar. Contudo, o objetivo de Zuckerberg não é construir um jogo, mas trazer a vida das pessoas para um ambiente virtual com o qual elas possam interagir através de seus avatares.

Concepção artística de metaverso.
Concepção artística de metaverso.
Imagem: Composição de Wren Handman por Pixabay e KennardP em Flickr

O termo metaverso apareceu pela primeira vez em um livro de ficção científica de 1992 chamado Snow Crash, de Neal Stephenson, que também é creditado por trazer o termo “avatar” do Hindu. Os metaversos também aparecem em outros trabalhos de ficção como “Tron“, “Matrix” e “Jogador número 1“. Nessas obras, os protagonistas precisam acessar um mundo virtual para resolver seus problemas através de avatares.

Os metaversos sempre foram considerados utópicos devido às tecnologias necessárias para sua concepção. Universos virtuais coletivos desse tipo são sugeridos desde 1984, mas até agora, nenhuma proposta foi bem sucedida.

Como entrar no metaverso?

Muitas das tecnologias de interação, que só existiam em obras de ficção, não só já estão disponíveis como, em alguns casos, vão além das ideias previstas nos romances. Zuckerberg aposta, em especial, em duas dessas tecnologias – a realidade virtual e a realidade aumentada – que, apesar de parecerem a mesma coisa, têm propostas diferentes (leia também nosso artigo sobre realidade virtual e aumentada).

Na realidade virtual o usuário é levado a imersão total, ou seja, um universo alternativo completamente gerado por computador. Nessa simulação imersiva o software tem liberdade para criar qualquer mundo imaginário, já que o usuário tem a sua visão do mundo real completamente bloqueada. As cenas podem não só ser assistidas através de óculos de imersão e fones, mas também manipuladas por meio de controles e sensores, se a aplicação permitir.

Exemplo de imersão através de realidade virtual. O usuário é inserido em um mundo completamente diferente do mundo real, através de um sistema de óculos especial.
Exemplo de imersão através de realidade virtual. O usuário é inserido em um mundo completamente diferente do mundo real, através de um sistema de óculos especial.
Imagem: Julia Cameron em Pexels e Jin Zan em Wkimedia Commons

Já na realidade aumentada, elementos virtuais são acrescentados às imagens do mundo real através de smartphones ou óculos. Este efeito é obtido através de um software que sobrepõe imagens virtuais às experiências do usuário no mundo real. O famoso jogo Pokémon GO é um ótimo exemplo de realidade aumentada.

 Um usuário jogando Minecraft em sua sala com o HoloLens, da Microsoft.
Um usuário jogando Minecraft em sua sala com o HoloLens, da Microsoft.
Imagem: Microsoft Sweden em Flickr

No vídeo de apresentação do metaverso, Zuckerberg aparece, na forma de avatar, jogando cartas com amigos, também com avatares personalizados, todos utilizando óculos de realidade virtual.

 Reunião virtual de Zuckerberg com amigos, para jogar cartas
Reunião virtual de Zuckerberg com amigos, para jogar cartas.
Imagem: Extraído de vídeo no canal “Meta” em Youtube.

Em um segundo momento do vídeo, dois amigos jogam xadrez, mesmo estando em diferentes partes do mundo, através de seus óculos de realidade aumentada.

Dois amigos jogando xadrez de diferentes partes do mundo.
Dois amigos jogando xadrez de diferentes partes do mundo.
Imagem: Extraído de vídeo no canal “Meta” em Youtube.

Especialistas afirmam que, caso o metaverso seja um ambiente completamente virtual, a exigência dos óculos, que ainda são caros, será um problema para a sua popularização. Logo, tudo leva a crer que, em um primeiro momento, o metaverso permitirá o acesso através de celulares e computadores, sem tecnologias de imersão. Nesse caso, os avatares seriam controlados como nos atuais jogos em 3D. Este tipo de metaverso já foi experimentado em 2003 no “Second Life“, uma espécie de “jogo” onde o objetivo dos usuários era apenas viver em um mundo virtual através de seus avatares.

Encontro de estudantes de graduação interessados no tema "ética nos mundos virtuais" no "Second Life" em 2006.
Encontro de estudantes de graduação interessados no tema “ética nos mundos virtuais” no “Second Life” em 2006.
Imagem: John Lester em Flickr

Quais os benefícios do metaverso?

Zuckerberg espera que o metaverso torne o acesso à internet uma experiência mais humanizada. Nesse sentido, entrar em ambientes virtuais como salas de bate-papo, por exemplo, seria o mesmo que entrar em uma sala no mundo real, mas com avatares no lugar de pessoas reais.

O metaverso estará nos dois mundos em simultâneo, ou seja, usuários e empresas terão um endereço cibernético além dos seus próprios endereços físicos. Se você comprar um produto dentro do metaverso, de uma loja física no Japão, por exemplo, poderá escolher enviá-lo para sua casa real ou virtual.

Concepção artística de como seria ir ao shopping, no metaverso.
Concepção artística de como seria ir ao shopping, no metaverso.
Imagem: Torley em Flickr

Para assistir ao lançamento de um filme, provavelmente você irá a um cinema, dentro do metaverso. Para participar de torneios de jogos eletrônicos com os amigos, poderá acessar lanhouses virtuais. Além disso, pessoas que compartilham as mesmas ideias e visões do mundo saberão onde se encontrar para dividir suas experiências.

Quais são os desafios tecnológicos do metaverso?

O metaverso só será possível graças a tecnologias e conceitos só concebidos a pouco tempo, como redes sociais, criptomoedas e óculos de imersão. Contudo, algumas questões básicas de infraestrutura ainda são uma incógnita. Por exemplo, estaria a internet preparada para suportar 8 bilhões de usuários conectados a um único mundo virtual? Zuckerberg acredita que a atual arquitetura da rede mundial já consegue atender a essa demanda. Além disso, ele aposta nos seus anos de experiência com o Facebook, a maior rede social do mundo, para desenvolver soluções de conectividade distribuída.

Outra preocupação de Zuckerberg está relacionada à aderência das pessoas ao metaverso. De nada adiantará todo esse investimento se as pessoas não participarem. Ele sabe que para uma aceitação global, o mundo virtual deverá ser atrativo e acessível. Por isso, ele tem investido em tecnologias eficientes e baratas de imersão. Em uma dessas apostas, Zuckerberg adquiriu a empresa Oculus, especializada no desenvolvimento de óculos de realidade mista de baixo custo. Após a compra, ele declarou pretender produzir um bilhão de óculos de realidade virtual num período de 10 anos. Se essa promessa for cumprida, certamente haverá uma grande oferta do produto no mercado com preços bem acessíveis.

Oculus Quest 2
Óculos Quest 2 da Oculus – Meta.
Imagem: Wikimedia Commons

Uma questão que ficou obscura é a compatibilidade entre as plataformas. Se grandes empresas como Meta, Google e Microsoft desenvolverem metaversos independentes, não teremos um mundo virtual realmente único. Como a ideia de vários metaversos não pareceu atrativa, uma sugestão que tem sido considerada é a criação de um novo protocolo de internet, semelhante ao HTTP, mas dedicado ao mundo virtual. Desta forma, o metaverso seria um mundo virtual público onde pessoas e empresas poderiam adquirir “áreas virtuais” para se instalar. Este seria um conceito bem parecido com os atuais nomes de domínio “.com” e “.com.br”, adquiridos por pessoas e empresas.

Especialistas afirmam que esse é um ponto que deve-se tratar com bastante cautela. Apesar da empresa Meta estar liderando as apostas nessa tecnologia, o metaverso não é um produto que poderá ser criado e mantido por uma única empresa. Afinal, essa é uma mudança de paradigma de navegação que depende da aderência de toda a comunidade, o que incluiu usuários e empresas.

Uma coisa é certa: o metaverso ainda não existe nem será construído da noite para o dia. Muitas ferramentas e produtos ainda precisarão de alguns anos para amadurecer e isso dependerá do interesse e esforço de várias empresas.

O metaverso é perigoso? Quais suas ameaças?

Apesar dos avanços que o metaverso provavelmente trará, alguns cientistas da informática temem pela segurança da sociedade. É o caso do renomado engenheiro da computação Louis Rosenberg – criador do primeiro sistema de realidade aumentada funcional do Laboratório de Pesquisas da Força Aérea Americana. Para ele, o metaverso pode um dia “fazer a realidade desaparecer”.

Louis Rosenberg, um dos críticos do metaverso.
Louis Rosenberg, um dos críticos do metaverso.
Imagem: GardenM em Wikimedia Commons.

Segundo Rosenberg, em um futuro próximo, pessoas que interagirem por muito tempo com ambientes integrados de realidade virtual e realidade aumentada poderão ter seus sensos de existência alterados, distorcendo assim a forma de interpretar suas experiências diárias. Isso acontecerá, pois, o nosso “novo mundo” será composto por pessoas, lugares, objetos e atividades que não existirão no mundo real, mas mesmo assim parecerão autênticos para nós.

Rosenberg tem uma preocupação especial com o uso legítimo da realidade aumentada pelas plataformas que controlarão a estrutura virtual. Para ele, estas tecnologias em algum momento tornarão as pessoas completamente dependentes da camada virtual de informação projetada ao seu redor. Dependendo das atividades exercidas pelas pessoas, se desconectar do metaverso não será uma opção, da mesma forma que ficar offline da internet é algo inimaginável para muitos na atualidade.

Você não vai querer se desconectar da realidade aumentada, pois isso tornará suas ferramentas virtuais inacessíveis te dando desvantagem social, econômica e intelectual. De fato, sempre que integramos uma tecnologia em nossas vidas, apenas por conveniência ou conforto, raramente ela se torna opcional.

Outra questão que assusta Rosenberg é a possibilidade da se utilizar a realidade aumentada como mecanismo de classificação em “tempos ideológicos perigosos“. Ele cita um exemplo hipotético, particularmente aterrorizante, onde o metaverso se torna realidade.

Imagine que você esteja caminhando em uma calçada, olhando as pessoas que passam. Provavelmente, isso se pareceria com caminhar em uma calçada nos dias de hoje, exceto pelo fato de você poder ver balões de informação sobre a cabeça das pessoas, através de seus óculos de realidade aumentada. A princípio, parece ser algo inocente ver pessoas compartilhando seus hobbies e interesses com todos ao seu redor.

Em um futuro próximo, poderemos escanear as pessoas na calçada e verificar sua nacionalidade, marcas das roupas, preferências, orientações etc.
Em um futuro próximo, poderemos escanear as pessoas na calçada e verificar sua nacionalidade, marcas das roupas, preferências, orientações etc.
Imagem: Cea+ em Flickr

Agora imagine que hackers desenvolvessem um filtro que possibilitasse uma camada de informação adicional com identificações em negrito como “Racista”, “Alcoólatra”, “Ateu”, “Imigrante”, ou até mesmo classificações de interesse como “Conservador” ou “Progressista”. As pessoas nem sequer saberão que estão sendo classificadas. Essas camadas de informação adicional poderiam ser utilizadas para aumentar divisões políticas, condenar certos grupos e até mesmo para filtrar candidatos a vaga de emprego por interesse ideológico em uma entrevista.

Rosenberg questiona se isso faria do mundo um lugar melhor ou apenas ampliaria a cultura da polarização e do confronto que começou online e se espalhou para o mundo real. Para ele, muitos dos problemas sociais com a tecnologia – como fake news, botnets, troll farms etc – serão intensificados, pois as pessoas não mais deixarão o mundo virtual.

Nós do Ciência Mundo temos uma opinião um pouco diferente a respeito das possíveis ameaças do metaverso. Se olharmos para o passado, veremos que a tecnofobia é algo corriqueiro na nossa cultura. Isso aconteceu com a chegada da energia elétrica, com os veículos automotores e até recentemente com a própria internet. As pessoas têm medo daquilo que ainda não conhecem!

O metaverso, certamente, abrirá espaço para oportunistas, formadores de opinião e pessoas mal intencionadas. Contudo, toda evolução tecnológica possui arestas iniciais que devem ser aparadas com o tempo. Essas ameaças, quando surgirem, deverão ser tratadas com leis e políticas de uso, como já fazemos com a atual internet.

Não podemos esquecer que nós só estamos aqui porque nossos ancestrais não tiveram medo do novo. O metaverso provavelmente virá com alguns desafios, mas esse será, certamente, um grande passo para a humanidade.

Comente…


Vídeos

O que é Metaverso? | A tecnologia que vai acabar com a humanidade (como conhecemos)
O que é o metaverso?
Vídeo: Canal “Jovens de Negócio” em Youtube.
The Metaverse and How We'll Build It Together -- Connect 2021
O metaverso, explicado por Mark Zuckerberg.
Vídeo: Canal “Meta” em Youtube.

Notícias

Computer pioneer warns the metaverse ‘could make reality disappear’. UK Today News, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 3 dez. 2021.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. O que é o metaverso e como ele pode fazer a realidade desaparecer? Ciência Mundo, Rio de Janeiro, dez. 2021. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.