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Mulher presa por 20 anos é perdoada graças a uma investigação genética

Mutação extremamente rara levou uma mulher à prisão por assassinato, mas um mutirão de cientistas conseguiu provar sua inocência.

Mulher presa por 20 anos é perdoada graças a uma investigação genética -

Imagem: Arte "Justiça e a genética" por Ciência Mundo.

Recentemente, Kathleen Folbigg foi libertada após ter sido condenada há vinte anos pelo assassinato de seus quatro filhos. 

No entanto, o perdão da pena só aconteceu graças a um novo olhar sobre o caso que revelou informações genéticas cruciais sobre os filhos de Folbigg. 

Mãe que cumpriu 20 anos de prisão após ser acusada de matar os quatro filhos é inocentada
Mãe que cumpriu 20 anos de prisão após ser acusada de matar os quatro filhos é inocentada.
Vídeo: Canal “Balanço Geral” em Youtube.

Essa reviravolta na história destaca a importância do sequenciamento do genoma e da genética forense na revisão de casos criminais.

Uma mutação rara no gene CALM foi identificada como a causa das mortes das duas filhas de Folbigg, devido a uma síndrome chamada calmodulinopatia

Essa mutação afeta apenas uma em 35 milhões de pessoas e, até então, apenas 135 casos foram relatados em todo o mundo. 

Esses números indicam a raridade dessa mutação e tornam a família de Folbigg um caso singular na Austrália.

Os avanços na tecnologia do sequenciamento do genoma foram fundamentais para a descoberta dessas mutações genéticas. 

Em 2003, quando ocorreu o julgamento de Folbigg, o sequenciamento do genoma humano era uma tarefa extremamente cara, custando cerca de 300 milhões de dólares

Isso impossibilitou a análise do DNA das crianças de Folbigg na época.

No entanto, ao longo dos anos, houve uma queda significativa nos custos do sequenciamento do genoma. 

Em 2015, o preço já havia diminuído para aproximadamente 1.500 dólares, tornando-o muito mais acessível. 

Além disso, pesquisas sobre mutações nos genes CALM estavam sendo realizadas, fornecendo informações valiosas sobre as conexões entre essas mutações e algumas doenças.

Estudos científicos posteriores revelaram que mutações em diferentes genes CALM podem causar problemas cardíacos graves, levando a mortes prematuras (CROTTI, 2013; JIMÉNEZ-JÁIMEZ, 2016; CROTTI, 2019). 

Essas descobertas permitiram que especialistas em genética apresentassem dados relacionados às mutações CALM durante uma investigação sobre o caso de Folbigg em 2019.

No entanto, embora tenha sido comprovada a presença de mutações CALM nos genomas das duas filhas de Folbigg, ainda faltavam evidências conclusivas para mostrar que essas mutações específicas eram letais. 

Essa lacuna de informações resultou em manter a condenação de Folbigg na época.

Foi somente em 2020, após a publicação de novas descobertas sobre o assunto, que ficou constatado que as duas filhas de Folbigg tinham mutações CALM2 que alteraram a estrutura das proteínas de calmodulina (BROHUS, 2021). 

Experimentos de laboratório demonstraram que essas proteínas mutantes não conseguiam realizar suas funções normais de controle dos canais de cálcio.

Essas descobertas, aliadas a outros achados relacionados a mutações genéticas nas crianças de Folbigg, levaram à revisão do caso e à finalização de seu perdão em junho de 2023.

O caso de Kathleen Folbigg destaca a importância do sequenciamento do genoma e da genética forense na revisão de casos criminais. 

Com o avanço da tecnologia e a redução dos custos, é possível analisar o DNA de forma mais acessível e identificar mutações genéticas que antes eram desconhecidas.

Essas descobertas podem ter um impacto significativo na justiça criminal, permitindo a revisão de casos baseados em evidências genéticas e fornecendo uma compreensão mais aprofundada das causas subjacentes a determinados eventos.

No caso de Kathleen Folbigg, a análise genética foi fundamental para revelar a presença de mutações raras que explicavam as mortes de suas filhas. 

Essa história serve como um exemplo vívido do poder da ciência e da genética na busca da verdade e na promoção da justiça.

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Referências

CROTTI, Lia et al. Calmodulin mutations associated with recurrent cardiac arrest in infants. Circulation, v. 127, n. 9, p. 1009-1017, 2013. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.

JIMÉNEZ-JÁIMEZ, Juan et al. Calmodulin 2 mutation N98S is associated with unexplained cardiac arrest in infants due to low clinical penetrance electrical disorders. PloS one, v. 11, n. 4, p. e0153851, 2016. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.

CROTTI, Lia et al. Calmodulin mutations and life-threatening cardiac arrhythmias: insights from the International Calmodulinopathy Registry. European heart journal, v. 40, n. 35, p. 2964-2975, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.

BROHUS, Malene et al. Infanticide vs. inherited cardiac arrhythmias. EP Europace, v. 23, n. 3, p. 441-450, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.

Notícias

The science that unlocked a rare genetic mutation in the Folbiggs — and set Kathleen free. ABC News, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.

Kathleen Folbigg: science sheds new light on case of mother convicted of murdering her children. The Guardian 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.

How science unpacked mutation and disease in the Folbigg case – and prompted a new inquiry. Cosmos 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.

Cite-nos

SANTOS, Fábio. Mulher presa por 20 anos é perdoada graças a uma investigação genética. Ciência Mundo, jun 2023. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.