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Cientistas pedem o fim urgente do uso de combustíveis fósseis em relatório sobre as mudanças climáticas

Os pesquisadores acusaram os governos de diluir as descobertas e evidências científicas sobre as mudanças climáticas, em um relatório prévio para a COP 27.

Cientistas pedem o fim urgente do uso de combustíveis fósseis em relatório sobre as mudanças climáticas -

Imagem: trilemedia em Pixabay.

“O mundo deve abandonar os combustíveis fósseis com urgência, ao invés de criar paliativos que não funcionam”, foi o que cientistas e ativistas pediram, enquanto os governos discutiam mudanças de última hora em um relatório científico histórico.

O episódio ocorreu durante os debates do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ocorrido no domingo dia 3/4/2022, quando alguns pontos essenciais, estabelecidos pelos cientistas, foram refutados ou reinterpretados por alguns representantes de governo.

Cientistas e governos estavam em desacordo sobre questões como “financiamento para países em desenvolvimento que enfrentam a crise climática” e a importância de políticas como a “eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis”.

Os governos foram acusados ​​de tentar diluir as descobertas dos cientistas, originalmente previstas para serem publicadas na segunda-feira, mas, após atrasos e divergências no domingo, adiadas por seis horas para o mesmo dia.

A Índia, por exemplo, exigiu mudanças importantes em questões como finanças, enquanto a Arábia Saudita queria garantias do papel dos combustíveis fósseis na economia mundial. Outros países, como China e Equador, também se manifestaram em alguns pontos. A Rússia desempenhou um papel mais discreto do que se esperava.

Kevin Anderson — professor de energia e clima do Centro Tyndall de pesquisa climática da Universidade de Manchester — pediu que os cientistas prevalecessem. “Espero que o Grupo de Trabalho 3 (a seção do relatório do IPCC que estava prestes a ser publicada) tenha a coragem de realmente pedir a eliminação da produção e uso de combustíveis fósseis dentro de um cronograma compatível com o acordo de Paris”, disse ele.

Esta é a terceira parte da mais recente avaliação do IPCC, que trata de temas controversos abrangendo políticas públicas, tecnologias e finanças necessárias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

A primeira parte, cobrindo a ciência física das mudanças climáticas, foi publicada em agosto passado, mostrando que o mundo tinha apenas uma pequena chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C.

Já a segunda parte, publicada há pouco mais de um mês, mostrou os impactos catastróficos que o aquecimento de 1,5°C teria, mas foi ofuscado pela invasão da Ucrânia pela Rússia.

O relatório científico em si, baseado no trabalho de milhares de pesquisadores nos últimos oito anos, já foi definido, mas a seção “resumo das ações políticas”, que contém 40 páginas que contemplam pontos-chave, ainda está em disputa.

O problema é que, enquanto o “relatório científico” é elaborado por pesquisadores, o “resumo das ações políticas”, documento de referência chave para os governos, é editado com a contribuição de todos os estados membros da ONU que desejam ser representados. Uma síntese deste relatório com os principais pontos discutidos no IPCC será apresentada em outubro, na COP 27.

Muitos países, incluindo Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido, estão reconsiderando sua dependência de combustíveis fósseis à luz da guerra na Ucrânia, que elevou os já altos preços do petróleo a níveis recordes. A energia agora é vista como uma questão de segurança nacional, pois o aumento do custo de vida em muitos países está forçando os governos a repensar formas de proteger seus cidadãos, dos altos preços e de um possível colapso climático.

Segundo Rachel Kyte — reitora da Fletcher School da Tufts University nos EUA — “estamos em um momento de crescentes tensões em todo o mundo, que estão sendo usadas como desculpas para atrasar a discussão sobre o tema. Agora temos que abraçar uma nova forma de segurança energética, que abarque todos, um novo tipo de política. Estamos em um momento de ajuste de contas e o relatório do IPCC apenas coloca um ponto de exclamação.”

Alguns governos devem certamente enfatizar as técnicas que removem carbono do ar, como captura e armazenamento de carbono, usadas para neutralizar usinas de combustível fóssil, além de tecnologias como “captura direta do ar”, pela qual o carbono é extraído quimicamente da atmosfera.

Contudo, o IPCC alerta que essas técnicas não são comprovadas e provavelmente serão proibitivamente caras para serem usadas em grande escala. Os cientistas estão preocupados, pois sabem que os governos forçaram uma linguagem mais favorável a esses paliativos no resumo final.

Segundo Nikki Reisch — diretora do programa de energia e clima do Centro de Direito Ambiental Internacional — “os governos devem ser claros, mostrando que não há espaço para o petróleo e o gás no futuro da humanidade, e ponto final. Algumas empresas querem perpetuar o mito de que podemos continuar usando combustíveis fósseis. No entanto, o que precisamos é de uma transição para abandonar os combustíveis fósseis e não de correções tecnológicas”.

Stephen Cornelius — chefe da delegação do Fundo Mundial para a natureza (WWF) — defende as acusações dos cientistas de que os governos poderiam realizar alterações de última hora para atenuar advertências científicas. Para ele, os governos têm que desempenhar seu papel na redação dos resumos, sem se esquivar da responsabilidade de atender aos avisos ali contidos.

Para Cornelius o IPCC é um processo útil, porém complexo, que demanda muito tempo, mas que tem adesão política e, por isso, é levado a sério.

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Notícias

IPCC report: ‘now or never’ if world is to stave off climate disaster. The Guardian, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 ago. 2022.

Scientists urge end to fossil fuel use as landmark IPCC report readied. The Guardian, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 ago. 2022.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Cientistas pedem o fim urgente do uso de combustíveis fósseis em relatório sobre as mudanças climáticas. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, abr. 2022. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.