O que o mundo experimentou naquele dia, agora conhecido como Evento Carrington, foi uma enorme tempestade geomagnética, um fenômeno que ocorre quando uma grande bolha de gás superaquecido, chamada plasma, é ejetada da superfície do sol e atinge a Terra. Essa bolha é conhecida como ejeção de massa coronal.
O plasma de uma ejeção de massa coronal consiste em uma nuvem de prótons e elétrons, que são partículas eletricamente carregadas. Quando essas partículas atingem a Terra, elas interagem com o campo magnético que circunda o planeta, enfraquecendo-o e levando a formação da aurora boreal e de outros fenômenos naturais.
O engenheiro eletricista David Wallace – da Universidade do Estado de Mississipi – explica, em um artigo publicado na revista The Conversation, como os efeitos de uma tempestade geomagnética afetariam o fornecimento de energia e as comunicações, e como se proteger contra isso.
Tempestades geomagnéticas
O Evento Carrington de 1859 é o maior registro humano em tempo real de uma tempestade geomagnética, mas não é o maior evento já ocorrido na Terra.
Análises de núcleos de gelo da Antártida mostraram evidências de uma tempestade geomagnética ainda mais intensa, que ocorreu por volta de 774 d.C., conhecida como o Evento Miyake. Essa explosão solar produziu o maior e mais rápido aumento de carbono-14 já registrado. Tempestades geomagnéticas desencadeiam grandes quantidades de raios cósmicos na atmosfera superior da Terra, que por sua vez produzem carbono-14, um isótopo radioativo de carbono.
Outras tempestades geomagnéticas já atingiram a Terra, como a que ocorreu em 993 d.C, mas essa foi 60% menor que o Evento de Miyake. Os pesquisadores afirmam que, segundo as evidências fosseis extraídas da natureza, tempestades geomagnéticas de grande escala com intensidades semelhantes aos eventos de Miyake e Carrington ocorrem em média uma vez a cada 500 anos.
Atualmente, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (EUA) usa uma escala, chamada “escala G” para medir a intensidade dessas erupções solares, sendo G1 a menor intensidade e G5 a mais extrema. O Evento Carrington teria sido classificado como G5.
Contudo, a coisa fica um tanto assustadora quando comparamos o Evento Carrington com o Evento Miyake. No Evento Carrington (1859), os cientistas foram capazes de estimar a força do fenômeno com base nas flutuações do campo magnético da Terra, conforme os registros dos observatórios da época. Já o evento Miyake (774 d.C.) não possui registros, pois não havia como medir uma flutuação magnética com a tecnologia daquela época. Em vez disso, os cientistas mediram o aumento do carbono-14 nos anéis das árvores a partir desse período.
O resultado das análises mostrou que, enquanto o Evento Carrington produziu apenas 1% de aumento no Carbono-14, o Evento Miyake produziu um aumento de 12% no isótopo, mostrando que este último teria sido bem mais intenso.
Desligando a energia
Hoje, uma tempestade geomagnética da mesma intensidade que o Evento Carrington afetaria muito mais do que fios de telégrafo e poderia ser catastrófica. Com a dependência crescente da eletricidade e da tecnologia, qualquer interrupção poderia levar a perdas, não apenas financeiras, mas também de vidas, dependente dos sistemas.
As tempestades geomagnéticas geram correntes induzidas, superiores a 100 amperes, que fluem através da rede elétrica e por componentes conectados, como transformadores, relés e sensores.
Cem amperes equivalem ao serviço elétrico fornecido a muitas residências. Correntes deste tamanho podem causar danos internos nos componentes, levando a quedas de energia em grande escala.
Uma tempestade geomagnética três vezes menor que o Evento Carrington ocorreu em Quebec, Canadá, em março de 1989. A tempestade causou o colapso da rede elétrica Hydro-Quebec.
Durante a tempestade, as altas correntes induzidas magneticamente danificaram um transformador em Nova Jersey e desarmaram os disjuntores da rede. Nesse caso, a interrupção deixou cinco milhões de pessoas sem energia por nove horas.
Interrompendo conexões
Além das falhas elétricas, as comunicações seriam interrompidas em escala mundial. Os provedores de serviços de Internet podem cair, impedindo diferentes sistemas de se comunicarem. Os sistemas de comunicação de alta frequência, como rádio terra-ar, ondas curtas e navio-terra, seriam interrompidos.
Satélites em órbita ao redor da Terra podem ser danificados por correntes induzidas da tempestade geomagnética queimando suas placas de circuito. Isso levaria a interrupções no telefone, internet, rádio e televisão por satélite.
Além disso, à medida que as tempestades geomagnéticas atingem a Terra, o aumento da atividade solar faz com que a atmosfera se expanda para fora. Essa expansão altera a densidade da atmosfera onde os satélites estão orbitando. A atmosfera de densidade mais alta cria arrasto em um satélite, o que o torna mais lento. Nesse caso, se o equipamento não for manobrado para uma órbita mais alta, pode cair de volta à Terra.
Outra área que teria problemas que potencialmente afetam a vida cotidiana, são os sistemas de navegação. Praticamente todos os meios de transporte, de carros a aviões, usam GPS para navegação e rastreamento. Mesmo os dispositivos portáteis, como telefones celulares, relógios inteligentes e rastreadores, dependem de sinais de GPS enviados por satélites.
Os atuais sistemas militares são fortemente dependentes do GPS para o correto funcionamento. Sistemas de detecção militar, como os radares-além-do-horizonte e os sistemas de detecção de submarinos, podem ser interrompidos, prejudicando as defesas dos países.
Em termos de internet, uma tempestade geomagnética na escala do Evento Carrington poderia produzir correntes geomagneticamente induzidas nos cabos submarinos e terrestres que formam a espinha dorsal da grande rede. Além disso,os data centers que atualmente armazenam e processam tudo, desde e-mails a arquivos em discos virtuais (nuvem), seriam altamente prejudicados. Isso potencialmente interromperia toda a rede e impediria que os servidores se conectassem uns aos outros.
Apenas uma questão de tempo
É apenas uma questão de tempo até que a Terra seja atingida por outra tempestade geomagnética. Uma tempestade do tamanho de um evento de Carrington seria extremamente prejudicial para os sistemas elétricos e de comunicação em todo o mundo, com interrupções que durariam semanas.
Se a tempestade for do tamanho do Evento Miyake, os resultados seriam catastróficos para o mundo, com possíveis interrupções que durariam meses, se não mais. Mesmo com os avisos de clima espacial do Centro de Previsão do Clima Espacial da NOAA, o mundo teria apenas algumas horas (ou até minutos) de antecedência.
Acredito que é fundamental continuar pesquisando maneiras de proteger os sistemas elétricos contra os efeitos das tempestades geomagnéticas, por exemplo, instalando dispositivos que podem proteger equipamentos vulneráveis como transformadores e desenvolvendo estratégias para ajustar as cargas da rede quando as tempestades solares estão prestes a ocorrer. É importante trabalhar agora para minimizar as interrupções do próximo Evento Carrington.
David Wallace.
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Referências
A large solar storm could knock out the power grid and the internet – an electrical engineer explains how. The Conversation, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 ago. 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Como uma tempestade solar pode mudar completamente o mundo. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, abr. 2022. Disponível em: . Acesso em: .