No ártico, onde as estações do ano são definidas por longos períodos de escuridão e de luz, as renas enfrentam desafios únicos para conseguir dormir.
Um estudo recente, publicado na revista Current Biology, buscou desvendar o mistério de como esses animais conseguem garantir o sono necessário em meio às condições extremas do seu habitat (FURRER, 2023).
As renas — conhecidas por sua participação simbólica nas festividades natalinas — enfrentam condições climáticas adversas durante a maior parte do ano.
Em um ambiente onde o inverno rigoroso se alterna com um verão efêmero, a disponibilidade de alimentos varia drasticamente.
Pesquisadores, liderados por Gabi Wagner, neurocientista do Instituto Norueguês de Pesquisa em Bioeconomia, e Sara Meier, cronobióloga da Universidade de Zurique, investigaram como esses animais enfrentam o desafio de garantir o sono ao longo do ano.
No verão, as renas desfrutam de um “buffet aberto”, alimentando-se de líquenes, ervas, cogumelos e plantas, acumulando reservas para a estação escassa que se aproxima.
Em contraste, durante o inverno, escavam na neve em busca de lichen e gramíneas, reduzindo significativamente sua atividade.
Esse ciclo de atividade e inatividade levanta a questão crucial: como as renas conseguem equilibrar suas necessidades de sono ao longo dessas estações extremas?
Para desvendar esse mistério, os pesquisadores instalaram eletrodos, de forma não invasiva, sobre a pele de algumas renas que vivem em um recinto ao ar livre em Tromsø, no norte da Noruega.
Os eletrodos registraram as ondas cerebrais das renas durante as quatro estações do ano.
Os resultados mostram que as renas quando ruminam — um processo essencial para a digestão desses animais — também parecem estar dormindo.
Melanie Furrer, neurocientista da Universidade de Zurique, explica que as ondas cerebrais registradas durante a ruminação assemelhavam-se ao sono profundo, indicando um estado de descanso significativo.
“Ao mastigarem,” observa Furrer, “elas assumem uma posição corporal muito semelhante à do sono profundo, com os olhos geralmente fechados e bastante imóveis.”
O estudo revelou que, durante a ruminação, as renas conseguem obter um nível de descanso comparável ao sono profundo não REM.
Surpreendentemente, quanto mais tempo gastavam nesse processo, menos sono profundo elas necessitavam.
Os resultados indicam que a ruminação desempenha um papel duplo na sobrevivência das renas no Ártico: facilita a obtenção máxima de energia dos alimentos consumidos e garante o repouso cerebral essencial.
Essa capacidade de multitarefa destaca a adaptabilidade notável desses animais em enfrentar as exigências de um ambiente extremo.
Wagner destaca que a compreensão fisiológica agora disponível reforça a necessidade de considerar esses elementos ao estabelecer áreas de pastagem para as renas, proporcionando-lhes espaço para realizar suas atividades de mastigação e garantir o sono profundo necessário.
Para Menno Gerkema, cronobiólogo aposentado, as implicações do estudo sugerem oportunidades para futuras pesquisas, não apenas sobre renas, mas sobre outros animais enfrentando desafios ambientais semelhantes.
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Referências
FURRER, M. et al. Reindeer in the Arctic reduce sleep need during rumination. Current Biology, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 24 dez 2023.
Cite-nos
SANTOS, Fábio. Como as renas da vida real descansam? Dormindo enquanto mastigam!. Ciência Mundo, dez 2023. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.