Em um trabalho recente, coordenado pela arqueóloga Margot Kuitems (da Universidade de Groningen, Noruega), foi confirmado que o antigo vilarejo viking, descoberto pelo casal Ingstad, tem aproximadamente 1000 anos, e foi construído por um grupo de nórdicos, vindos da Groenlândia. As evidências apresentadas neste trabalho comprovam que os vikings foram os primeiros europeus a alcançar as Américas, 470 anos antes de Cristóvão Colombo chegar às Bahamas em 1492 (KUITEMS, 2021).
Segundo Kuitems, esses exploradores, em torno de 100 pessoas dentre homens e mulheres, derrubaram 4 árvores no ano de 1021, provavelmente para construir abrigos e consertar barcos. Foi através da análise dos restos dessas árvores — e com a ajuda de um evento cósmico — que os pesquisadores conseguiram datar, com precisão, a presença dos nórdicos na ilha.
Como raios cósmicos ajudaram a datar as madeiras
A datação científica foi realizada em pedaços antigos de madeira utilizados na época. Foram examinados alguns galhos descartados, parte de um tronco de árvore e uma espécie de prancha.
Como índios locais ocuparam aquela região antes e depois dos nórdicos, havia dúvidas sobre a possibilidade de aqueles artefatos terem sido feitos por nativos. Contudo, as peças de madeira tinham marcas de corte com ferramentas de metal, algo que os indígenas ainda não tinham.
Os arqueólogos normalmente utilizam a datação por radiocarbono para estimar a idade aproximada de materiais orgânicos, como madeira, ossos e carvão. Contudo, neste trabalho, os pesquisadores utilizaram uma técnica que se baseou em um evento cósmico global causado por explosões solares que ocorreram na época.
Estudos estabelecem a ocorrência de raios cósmicos no ano de 993 que aumentaram os níveis normais de carbono-14 no dióxido de carbono da atmosfera (MEKHALDI, 2015; MIYAKE, 2014). Como as árvores “respiram” dióxido de carbono enquanto crescem, os pesquisadores usaram essa assinatura de carbono radioativo para determinar qual dos anéis de crescimento anual da madeira era de 993. Eles então contaram os anéis de crescimento externos até a casca da madeira, determinando, assim, o ano exato em que a árvore parou de crescer, ou seja, quando ela foi derrubada pelos colonos nórdicos.
Ao utilizar esta técnica, descobriu-se que cada um dos 4 pedaços de madeira pertenceu a uma árvore diferente – três abetos e um zimbro – porém todas cortadas em 1021. Os pesquisadores não puderam afirmar se esta data se refere ao início ou ao fim da ocupação nórdica, mas acreditam que com a descoberta de outros restos de árvores utilizados na mesma época eles possam determinar a extensão do período de permanência dos exploradores.
Segundo o arqueólogo Sturt Manning — da Universidade de Cornell, mas que não fez parte dessa pesquisa — a utilização de um evento cósmico para datar pedaços de madeira foi uma ideia inteligente. Com isso, agora temos uma evidência clara da chegada dos primeiros europeus na América do Norte. Essa é uma técnica relativamente nova, e, certamente, esse trabalho incentivará outros pesquisadores a utilizar a mesma técnica para datar outros sítios arqueológicos.
Quem eram esses vikings
Os relatos da chegada dos exploradores a terras desconhecidas eram contados através de sagas (ou lendas nórdicas) entre os vikings, que eram transmitidas de geração em geração. Como essas sagas só foram escritas no século 13 – 200 anos após a viagem à Terra Nova – muitas dessas histórias podem ter sido alteradas, ou confundidas com mitos culturais. Contudo, duas sagas islandesas mencionam seis expedições para o local onde hoje é a ilha de Terra Nova no Canadá. As sagas descrevem o local como uma espécie de entreposto, onde os nórdicos costumavam parar para explorar outros lugares. Examinando essas lendas, é possível concluir que esses vikings vieram de um grupo da Groenlândia, que por sua vez vieram da Islândia e da Escandinávia. As sagas não dizem com clareza, por quanto tempo L’Anse aux Meadows foi utilizado como entreposto, mas, pelos dados que se tem até agora, essa permanência pode ter durado de 3 a 10 anos.
A primeira expedição para a ilha de Terra Nova, que aparece nas sagas, foi liderada por Leif Erikson, que era conhecido como Leif, o sortudo, filho de Erik, o vermelho, que também foi o fundador do primeiro assentamento nórdico na Groenlândia. De acordo com as sagas, o local deveria se tornar um assentamento permanente, mas em virtude dos constantes conflitos com os índios da região – que eles chamavam de “vestidos de pele de animal” – o local foi abandonado.
As sagas se referem a ilha como Vinland, que significa “Terra do Vinho”, possivelmente porque eles acreditavam que o local fosse quente o suficiente para o cultivo das uvas usadas na produção da bebida. Contudo, como a região de L’Anse aux Meadows no norte da ilha é muito fria para o cultivo de uvas, os pesquisadores acreditam que esse nome teria sido atribuído ao local após os nórdicos terem ido um pouco mais para o sul, buscando climas mais quentes. Alguns pedaços de madeiras exóticas, só encontradas no sul da ilha, achados no vilarejo, sustentam essa teoria. Esta foi uma exploração perigosa, já que a ilha é relativamente grande para se andar a pé — 111.390 km², mais do que o dobro da área do Estado do Rio de Janeiro — e era povoada por índios na época.
Os restos arqueológicos de L’Anse aux Meadows estão agora protegidos como marco histórico pela Parks Canada – uma agência do governo canadense, responsável por proteger a natureza e a cultura nacional – que construiu um centro interpretativo nas proximidades. Assim que foi descoberto, o sítio arqueológico foi listado como Patrimônio Mundial pela UNESCO.
Vídeos
Ficção e documentários
Pathfinder (2007) Desbravadores
Um menino viking é abandonado por seu povo durante uma exploração na América do Norte. Ele é adotado por índios nativos que o criam como seu próprio filho. Após 15 anos, os vikings invadem o local novamente e o menino, que agora é um adulto, é obrigado a defender seus pais adotivos de seu próprio povo.
Referências
INGSTAD, Helge; INGSTAD, Anne Stine. The Viking discovery of America: the excavation of a norse settlement in L’Anse aux Meadows, Newfoundland. Breakwater Books, 2000. Disponível em: <link>. Acesso em: 22 out. 2021.
KUITEMS, Margot et al. Evidence for European presence in the Americas in ad 1021. Nature, p. 1-4, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 22 out. 2021.
MEKHALDI, Florian et al. Multiradionuclide evidence for the solar origin of the cosmic-ray events of AD 774/5 and 993/4. Nature communications, v. 6, n. 1, p. 1-8, 2015. Disponível em: <link>. Acesso em: 22 out. 2021.
MIYAKE, Fusa et al. Verification of the cosmic-ray event in AD 993–994 by using a Japanese Hinoki tree. Radiocarbon, v. 56, n. 3, p. 1189-1194, 2014. Disponível em: <link>. Acesso em: 22 out. 2021.
Notícias
In tree rings and radioactive carbon, signs of the Vikings in North America. NBC News, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 22 out. 2009.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Vikings na América do Norte são revelados graças a um evento cósmico. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .