Um estudo recente revelou que os gigantescos assentamentos circulares da cultura Trypillia que surgiu há 6.000 anos na atual Ucrânia e Moldávia, tinham uma base alimentar predominantemente vegetariana, contrariando a hipótese de que os povos dessa região tinham uma dieta rica em carne (SCHLÜTZ, 2023).
Esses mega-sítios, que rivalizavam com as antigas cidades da Mesopotâmia em tamanho, abrigavam até 15.000 pessoas e eram concebidos em círculos concêntricos.
No entanto, a intrigante descoberta revela que, apesar da importância do gado no sistema, a carne não era a “estrela do cardápio”.
Segundo o líder da pesquisa, Frank Schlütz — paleoecologista da Universidade Christian-Albrechts, na Alemanha — entre 4200 e 3650 a.C., o gado domesticado pelas sociedades Trypillia não era valorizado pela carne, mas sim pelo esterco.
Em uma análise de isótopos de nitrogênio em dentes, ossos e solo, os pesquisadores descobriram que a dieta dessas pessoas era composta principalmente por ervilhas, lentilhas e cereais, como cevada.
De acordo com Schlütz, o manejo alimentar na sociedade Trypillia era notavelmente complexo, com um gerenciamento extremamente sofisticado de alimentos e pastagens.
Embora o gado, ovelhas e cabras fossem componentes cruciais, sua principal função era fertilizar as terras agrícolas.
Esses animais eram mantidos em pastagens cercadas, alimentados com ervilhas e grãos, enquanto seu esterco impulsionava a produção de culturas subsequentes.
O estudo revelou ainda que, embora alguns pesquisadores estimassem um consumo intenso de carne com base no tamanho estimado dos rebanhos, produtos de origem animal contribuíam apenas com 8 a 10 por cento da dieta regular da Trypillia.
A gestão eficiente de nutrientes era uma característica distintiva da cultura Trypillia, que habitava mega-sítios por mais de 150 anos.
Os assentamentos, projetados com casas alinhadas em anéis concêntricos, indicavam uma organização social avançada.
A fertilização das culturas com esterco de gado desempenhava um papel vital no aumento do rendimento de sementes de ervilha e favas, especialmente em áreas próximas a casas e estábulos.
Os maiores mega-sítios exibiam valores de isótopos de nitrogênio mais altos, indicando um gerenciamento sofisticado do esterco.
O declínio da cultura Trypillia por volta de 3000 a.C. ainda é um mistério.
As hipóteses arqueológicas variam desde conflitos políticos até mudanças climáticas.
A descoberta de uma tecnologia agrícola avançada, que não explorava exaustivamente os recursos naturais, sugere que fatores sociais ou políticos podem ter desempenhado um papel crucial no fim dessa sociedade próspera.
A história da cultura Trypillia revela não apenas um capítulo fascinante na evolução humana, mas também destaca a complexidade das interações entre sociedade, alimentação e meio ambiente em civilizações antigas.
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Referências
SCHLÜTZ, Frank et al. Isotopes prove advanced, integral crop production, and stockbreeding strategies nourished Trypillia mega-populations. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 120, n. 52, p. e2312962120, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 7 jan 2024.
Cite-nos
SANTOS, Fábio. Primeiras cidades europeias criavam gado, mas não como alimento. Ciência Mundo, jan 2024. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.