Os caranguejos normalmente têm um corpo circular achatado coberto por uma carapaça dura, com pernas velozes além de um par de pinças. Mas se você vê um animal desses, saberia dizer se se trata de um verdadeiro caranguejo?
Normalmente, assumimos que se duas criaturas têm aparência similar, então elas devem estar relacionadas. No entanto, nem tudo que se parece com um caranguejo é, tecnicamente, um verdadeiro caranguejo.
Os crustáceos evoluíram para se parecerem com caranguejos ao longo de milhões de anos, e por isso, hoje temos milhares de espécies que passaram por esse processo de carcinização, e são, na verdade, falsos caranguejos.
O que é a carcinização?
Em Biologia, a convergência evolutiva ocorre quando um organismo evolui para se assemelhar a outro organismo, sem grau de parentesco, mas que se tornou bem-sucedido em um ambiente específico.
A carcinização é um tipo de convergência evolutiva que ocorre quando um crustáceo, que não é um caranguejo, evolui para se parecer com um caranguejo verdadeiro.
Esse processo é geralmente observado em crustáceos decápodes (com dez patas) que se parecem com caranguejos, mas que não são caranguejos verdadeiros.
Em outras palavras, esses crustáceos não estão relacionados aos caranguejos verdadeiros, mas evoluíram características semelhantes para se adaptar a um ambiente semelhante.
O processo de carcinização é mais comum em ambientes marinhos, onde os caranguejos são bem-sucedidos.
Esses crustáceos que estão passando pelo processo de carcinização podem ter algumas características semelhantes aos caranguejos verdadeiros, como um corpo achatado, uma carapaça dura, garras afiadas e pernas curtas e grossas.
No entanto, eles ainda têm algumas diferenças significativas em relação aos caranguejos verdadeiros, como a estrutura de seus órgãos reprodutivos e digestivos.
Quando os caranguejos se ramificaram?
O último ancestral comum dos verdadeiros e falsos caranguejos viveu a cerca de 250 milhões de anos e se parecia mais com uma lagosta do que com um caranguejo típico (BRACKEN, 2013), afirmou Rachael Peart do Instituto Nacional da Água e Pesquisa Atmosférica da Nova Zelândia.
Naquela época, a linhagem se dividiu em dois grupos principais: os Brachyura, considerados verdadeiros caranguejos, e os Anomura, ou falsos caranguejos.
Contudo, somente mais tarde, entre 145 e 66 milhões de anos, que esses dois grupos se separaram efetivamente, originando uma diversidade de novas espécies.
Alguns pesquisadores suspeitam que o motivo dessa “revolução do caranguejo cretáceo” tenha sido uma explosão de recifes de corais na época, onde as características dos caranguejos eram mais promissoras a sobrevivência (WOLFE, 2019).
Identificar corretamente os grupos dos atuais “caranguejos”, sejam eles verdadeiros ou falsos, sempre foi um problema para os biólogos, mas os avanços da genética estão ajudando a categorizar essas espécies nos seus devidos grupos.
“Os caranguejos-rei, por exemplo, costumavam ser considerados verdadeiros caranguejos, mas não são”, afirmou Peart. “Eles, na verdade, são primos próximos dos caranguejos eremitas”.
Como identificar um verdadeiro caranguejo
Se você estiver na praia e vê um crustáceo com aparência de caranguejo correndo na areia, como saber se ele é um verdadeiro caranguejo ou falso?
1. Observe suas pernas
Conte os pares de membros que ele realmente usa para se locomover.
Os caranguejos verdadeiros têm quatro pares de pernas ambulantes, enquanto os caranguejos falsos normalmente têm apenas três pares.
Seu quarto par de pernas ainda está lá, mas elas são muito curtas para ajudá-los a andar.
2. Verifique a existência de antenas
Se o animal observado tem antenas entre os olhos que não aparecem em nenhum outro lugar, isso pode ser mais uma evidência de um verdadeiro caranguejo.
Algumas espécies de caranguejos falsos, no entanto, têm antenas em ambos os lados externos dos olhos.
3. Confira sua carapaça
A “tampa” dura que cobre a cabeça e a parte superior do corpo de um verdadeiro caranguejo – chamada de carapaça – é larga e plana, e normalmente mais larga do que longa.
A carapaça de um verdadeiro caranguejo é completamente fundida, uniforme e rasa como um prato. Os caranguejos falsos têm carapaça normalmente segmentada, semelhante a caminhos pavimentados em um mapa. Esses segmentos são suturas não fundidas da carapaça.
4. Observe sua cauda
Se for possível observar a parte de baixo do crustáceo, verifique seu abdômen e imagine que ele seja uma cauda.
Os verdadeiros caranguejos achatam e enfiam completamente a cauda sob a carapaça.
Se for possível ver um leque na ponta da cauda, então trata-se de um caranguejo falso. As caldas dos caranguejos verdadeiros não possuem leques.
Por que essas características de caranguejo continuam a aparecer em outras espécies?
Apesar dessa questão científica não estar completamente resolvida, os pesquisadores acreditam que muitas dessas “características de caranguejo” surgem, pois trazem benefícios claros às espécies.
Por exemplo, ser mais achatado diminui o centro de gravidade do crustáceo, permitindo que ele se afaste mais rápido.
Uma cauda pequena e escondida não pode ser agitada para ajudar a escapar de predadores, mas perder esse volume de carne também tem seu lado positivo.
Só essas vantagens de redução já são suficientes para se enfiar em fendas menores em corais e rochas.
Isso significa então que a “crabificação” é inevitável, ou seja, todos os crustáceos estão destinados a acabar parecendo caranguejos?
Segundo Shanabel, não! Existem espécies de caranguejos verdadeiros e falsos que, inclusive, estão evoluindo para se parecerem menos com caranguejos.
Caranguejos que gostam de se enterrar na lama, por exemplo, estão evoluindo para ter um corpo mais longo, similar a uma lagosta, e mais adequado ao seu ambiente.
Essa “descarcinização”, segundo um estudo recente, já foi identificada pelo menos sete vezes (WOLFE, 2021).
Logo, o “formato de caranguejo” nem sempre é uma adaptação ótima para todos os nichos, estando sujeita a trocas funcionais através da evolução.
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Referências
BRACKEN-GRISSOM, Heather D. et al. A comprehensive and integrative reconstruction of evolutionary history for Anomura (Crustacea: Decapoda). BMC Evolutionary Biology, v. 13, n. 1, p. 1-29, 2013. Disponível em: <link>. Acesso em: 29 maio 2022.
WOLFE, Joanna M. et al. A phylogenomic framework, evolutionary timeline and genomic resources for comparative studies of decapod crustaceans. Proceedings of the Royal Society B, v. 286, n. 1901, p. 20190079, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 29 maio 2022.
WOLFE, Joanna M.; LUQUE, Javier; BRACKEN‐GRISSOM, Heather D. How to become a crab: Phenotypic constraints on a recurring body plan. Bioessays, v. 43, n. 5, p. 2100020, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 29 maio 2022.
Notícias
Why crustaceans keep evolving to look like crabs, and how to tell ‘true’ crabs from ‘false’ ones. abc.net.au, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 maio 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Por que os crustáceos continuam a evoluir para parecerem caranguejos?. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, maio 2022. Disponível em: . Acesso em: .