O pássaro pega (Pica pica) é uma ave da família dos corvos, considerada uma das espécies mais inteligentes do mundo. Ela é capaz de resolver pequenos problemas e é um dos poucos animais que conseguem reconhecer seu reflexo no espelho.
Apesar da inteligência, as pegas são aves frágeis, que vêm sofrendo com as mudanças climáticas nos últimos anos. O aumento das ondas de calor no mundo inteiro, tem prejudicado a reprodução desse pássaro inteligente, que atualmente está com sua taxa de sobrevivência de filhotes abaixo de 10%.
Para aprender mais sobre o movimento e a dinâmica social das pegas e, quem sabe, mitigar seus problemas de reprodução, a ecologista Dominique Potvin – professora sênior em ecologia animal da Universidade de Sunshine Coast na Austrália – e sua equipe, instalaram minúsculos dispositivos de rastreamento em cinco pegas australianos (CRAMPTON, 2022).
Segundo Potvin, o objetivo deste estudo-piloto era testar um novo dispositivo de rastreio, que, a princípio, seria mais durável e reutilizável. Contudo, poucas horas após a implantação do rastreador a equipe percebeu que algo havia dado errado, pois as pegas começaram a aparecer sem os rastreadores.
Para a surpresa de todos, após monitorar as aves, algumas foram flagradas se ajudando para remover o dispositivo. Isso impressionou os ecologistas, pois esse é um comportamento social raramente observado em pássaros.
De acordo com o autor principal do trabalho Joel Crampton – estudante de PhD da Universidade de Sunshine Coast na Austrália – embora os ecologistas já estivessem acostumados com a inteligência das pegas, essa foi a primeira vez que se observou um comportamento aparentemente altruísta nesses pássaros, onde um membro do grupo ajuda outro sem obter uma recompensa imediata.
Potvin brinca ao dizer que os cientistas já estão acostumados com “surpresas” em experimentos, como substâncias fora de validade, equipamentos que dão defeito na hora, contaminação de amostras e falta de energia. Ela explica que os pesquisadores têm que estar sempre atentos, pois esses imprevistos podem atrasar meses (ou até anos) de uma pesquisa cuidadosamente planejada.
Crampton afirma que para os pesquisadores que estudam o comportamento de animais, a imprevisibilidade já faz parte da descrição do problema. Este é o motivo pelo qual muitos trabalhos exigem estudos-piloto, como este.
Os novos rastreadores
O objetivo dos pesquisadores, nesse primeiro momento, era apenas testar rastreadores mais adequado para as pegas, já que os melhores mecanismos são grandes demais, e os pequenos têm capacidade limitada de armazenamento de dados e de duração das baterias, além de serem de uso único.
Potvin e sua equipe optaram por um modelo novo de mecanismo de rastreio que utiliza um design inovador no sistema que segura o dispositivo. Neste sistema, o arnês – cinta similar a uma mochila – é feito de um material resistente e usa um ímã como fivela. Para remover o dispositivo, é necessário desmagnetizar a fivela-ímã, ou cortar o arnês com uma tesoura muito boa. Os pesquisadores ficaram entusiasmados com o design do novo sistema, pois ele permitiria novas possibilidades e maior eficiência na coleta de dados.
Os pesquisadores, então, criaram um método que não exigia que os pássaros fossem capturados novamente para baixar dados ou remover os dispositivos. Segundo Crampton, a equipe treinou um grupo de pegas para se alimentar em um comedouro, que, na verdade, era uma estação para carregar as baterias, baixar dados do dispositivo e liberar o arnês, através de um ímã, quando necessário.
Este trabalho faz parte de um projeto de pesquisa que tem o objetivo de descobrir coisas como “para onde as pegas vão?”, “quais eram seus padrões de movimentação ao longo do dia?” e “de que forma sua idade, sexo ou posição dominante afetavam suas atividades?”.
O que aconteceu?
Segundo Potvin, muitos animais que vivem em sociedade cooperam uns com os outros para garantir a saúde, a segurança e a sobrevivência do grupo. De fato, a capacidade cognitiva e a cooperação social estão correlacionadas. Animais que vivem em grupos maiores tendem a ter uma maior capacidade de resolução de problemas, como hienas, bodiões e pardais.
As pegas australianas não são exceção. Como uma espécie generalista que se destaca na resolução de problemas, adaptou-se bem às mudanças extremas em seu habitat causadas pelos humanos. Elas geralmente vivem em grupos sociais de dois a 12 indivíduos, ocupando e defendendo cooperativamente seu território por meio de coros de músicas e comportamentos agressivos. Essas aves também se reproduzem cooperativamente, com irmãos mais velhos ajudando a criar os filhotes.
Mesmo sabendo de tudo isso, os pesquisadores se surpreenderam com a rapidez com que as pegas se uniram para resolver um problema em grupo. Crampton afirma que, dez minutos após a instalação do último rastreador, a equipe testemunhou uma fêmea adulta, sem o dispositivo, tentando remover com seu bico o arnês de um pássaro mais jovem. Em poucas horas, quase todos os rastreadores foram removidos.
Potvin afirma nunca ter lido sobre pássaros que cooperam dessa maneira para remover dispositivos de rastreio. Ela explica que o mais incrível é que as aves precisam ir testando em diferentes seções do arnês para encontrar um ponto fraco. Além disso, o sucesso dessa tarefa depende não apenas de um membro do grupo decidir ajudar, mas também do outro membro aceitar a ajuda.
O único comportamento semelhante que podemos encontrar na literatura são as toutinegras de Seychelles que ajudam outros membros do grupo a se soltar de superfícies pegajosas. Este é um comportamento muito raro denominado “resgate”.
Uma teoria levantada pelos pesquisadores é a de que as pegas estariam vendo o rastreador como algum tipo de parasita que deve ser removido.
Crampton afirma que, assim como as pegas, os cientistas estão sempre testando novos métodos para resolver problemas. Agora precisamos voltar à prancheta para encontrar outras maneiras de coletar dados das pegas e assim ajudar esse pássaro inteligente a sobreviver em um mundo em mudança.
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Referências
CRAMPTON, Joel; FRÈRE, Celine H.; POTVIN, Dominique A. Australian Magpies Gymnorhina tibicen cooperate to remove tracking devices. Australian Field Ornithology, v. 39, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em:24 fev. 2022.
Notícias
Altruism in birds? Magpies have outwitted scientists by helping each other remove tracking devices. The Conversation, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 ago. 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Pássaro inteligente aprende a retirar rastreadores instalados por pesquisadores. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, fev. 2022. Disponível em: . Acesso em: .