Em um esforço científico icônico realizado recentemente por uma grande equipe de pesquisadores, coordenados pelo astrônomo Romain Allart (Université de Montréal, Canadá) foi possível examinar as nuvens de um exoplaneta gigante gasoso a 520 anos-luz da Terra. As observações foram tão detalhadas que eles conseguiram inclusive determinar a altitude das nuvens e sua composição com uma precisão jamais vista (ALLART, 2020).
Allart afirma que este trabalho irá nos auxiliar a compreender melhor quais recursos são apropriados para a investigação de atmosferas em exoplanetas. Dominar esta tecnologia nos possibilita, por exemplo, analisar outros mundos que possam ter condições de sustentar a vida, avaliando apenas as bioassinaturas no espectro de suas atmosferas. A equipe destaca ainda que eles estão perto de realizar previsões meteorológicas em mundos alienígenas distantes em trabalhos futuros, utilizando esta mesma tecnologia.
O exoplaneta estudado é conhecido como WASP-127b, descoberto em 2016. Ele é uma espécie de estufa gasosa orbitando tão perto de sua estrela que seu ano dura o equivalente a apenas 4,2 dias terrestres. O exoplaneta tem 1,3 vezes o tamanho de Júpiter, porém apenas 0,16 vezes a massa de Júpiter. Como ele está muito próximo de sua estrela e possui uma atmosfera bem fina, a composição de sua atmosfera pode ser “facilmente” revelada e analisada quando ele passa na frente dessa estrela, e a luz atravessa sua atmosfera.
Veja que a palavra “facilmente” no parágrafo anterior carrega um pouco de ironia. Se descobrir a presença de um exoplaneta orbitando uma estrela já é uma tarefa difícil, determinar a composição de sua atmosfera é algo desafiador. Isso porque não se pode enxergar a maioria desses planetas diretamente, pois eles não possuem luz própria. Normalmente, os pesquisadores desconfiam da existência de um exoplaneta passando na frente de uma estrela quando o brilho dessa estrela, sutilmente, diminui e aumenta com uma certa regularidade. Contudo, é necessário tratar a imagem da luz da estrela para se tentar enxergar algo passando a sua frente. Se a luz da estrela for corretamente tratada, pode-se perceber um ponto preto transitando. Esse é o exoplaneta. Até bem pouco tempo, isso era o máximo que se conseguia deles. Porém, com as atuais tecnologias, já se pode inferir a presença de algumas substâncias em sua atmosfera. Uma dessas estratégias é a detecção das chamadas linhas de absorção, que são os efeitos visuais, que ocorrem em consequência da luz da estrela hospedeira passando pelas bordas do exoplaneta. Basicamente, essa foi a técnica utilizada por Allart e sua equipe. Eles decodificaram as assinaturas químicas de substâncias na atmosfera de WASP-127b , quando o exoplaneta fazia um pequeno eclipse, passando na frente da estrela.
Para realizar esse trabalho, foram combinados dados de infravermelho do telescópio espacial Hubble, e dados ópticos do instrumento ESPRESSO do Very Large Telescope. Processando os dados produzidos apenas por esses dois telescópios foi possível investigar a atmosfera de WASP-127b em diferentes altitudes.
Inicialmente, eles detectaram a presença de sódio, o que é comum nesse tipo de planeta, mas dessa vez o sódio estava a uma altitude mais baixa do que o esperado. Em seguida, eles verificaram um forte sinal de vapor de água no infravermelho mas que não apareciam com comprimento de onda visível. Isso significa que o vapor de água nos níveis mais baixos do planeta está sendo filtrado por nuvens que são opacas em comprimento de onda visível, mas transparentes ao infravermelho.
A equipe ainda descobriu algumas coisas peculiares sobre como WASP-127b orbita sua estrela hospedeira. No Sistemas Solar, onde as coisas parecem estar ordenadas, todos os planetas orbitam no mesmo sentido da rotação do Sol, em um plano aproximadamente reto, seguindo uma espécie de “linha do equador solar”. Isso se deve a forma como o Sistema Solar se formou a partir de um disco de material girando em torno de uma estrela em formação. WASP-127b orbita não apenas no sentido contrário da rotação de sua estrela, mas também em um ângulo bem irregular, passando, quase, acima dos polos da estrela. Estima-se que o sistema tenha em torno de 10 bilhões de anos, o que mostra que alguma coisa estranha está, definitivamente, acontecendo em sua vizinhança. Para Allart, esse tipo de alinhamento não é esperado em um exoplaneta quente, do tamanho de Saturno em um sistema estelar velho. Provavelmente isso deve estar sendo causado por alguma companhia desconhecida.
Apesar do sucesso do trabalho, Allart e sua equipe ainda estão intrigados com alguns enigmas, como, por exemplo, o fato do sódio ser encontrado em um lugar inesperado neste exoplaneta. Allart desabafa dizendo que somente com as tecnologias de análise que estão por vir poderemos entender outros aspectos de WASP-127B, não apenas de sua atmosfera, mas do exoplaneta como um todo.
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Referências
ALLART, Romain et al. WASP-127b: a misaligned planet with a partly cloudy atmosphere and tenuous sodium signature seen by ESPRESSO. Astronomy & Astrophysics, v. 644, p. A155, 2020..
Mídia Internacional
Astronomers Have Made an Unprecedented Detection of Clouds on a Far-Off Exoplanet. Science Alert, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 27 set. 2021.
Astronomers reveal strange clouds on ‘fluffy’ alien planet WASP-127b. Space, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 27 set. 2021.
Cite este artigo
SANTOS, Gabriel. Nuvens de um exoplaneta distante são pela primeira vez examinadas com alto nível de detalhamento. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .