Recentemente, Kathleen Folbigg foi libertada após ter sido condenada há vinte anos pelo assassinato de seus quatro filhos.
No entanto, o perdão da pena só aconteceu graças a um novo olhar sobre o caso que revelou informações genéticas cruciais sobre os filhos de Folbigg.
Essa reviravolta na história destaca a importância do sequenciamento do genoma e da genética forense na revisão de casos criminais.
Uma mutação rara no gene CALM foi identificada como a causa das mortes das duas filhas de Folbigg, devido a uma síndrome chamada calmodulinopatia.
Essa mutação afeta apenas uma em 35 milhões de pessoas e, até então, apenas 135 casos foram relatados em todo o mundo.
Esses números indicam a raridade dessa mutação e tornam a família de Folbigg um caso singular na Austrália.
Os avanços na tecnologia do sequenciamento do genoma foram fundamentais para a descoberta dessas mutações genéticas.
Em 2003, quando ocorreu o julgamento de Folbigg, o sequenciamento do genoma humano era uma tarefa extremamente cara, custando cerca de 300 milhões de dólares.
Isso impossibilitou a análise do DNA das crianças de Folbigg na época.
No entanto, ao longo dos anos, houve uma queda significativa nos custos do sequenciamento do genoma.
Em 2015, o preço já havia diminuído para aproximadamente 1.500 dólares, tornando-o muito mais acessível.
Além disso, pesquisas sobre mutações nos genes CALM estavam sendo realizadas, fornecendo informações valiosas sobre as conexões entre essas mutações e algumas doenças.
Estudos científicos posteriores revelaram que mutações em diferentes genes CALM podem causar problemas cardíacos graves, levando a mortes prematuras (CROTTI, 2013; JIMÉNEZ-JÁIMEZ, 2016; CROTTI, 2019).
Essas descobertas permitiram que especialistas em genética apresentassem dados relacionados às mutações CALM durante uma investigação sobre o caso de Folbigg em 2019.
No entanto, embora tenha sido comprovada a presença de mutações CALM nos genomas das duas filhas de Folbigg, ainda faltavam evidências conclusivas para mostrar que essas mutações específicas eram letais.
Essa lacuna de informações resultou em manter a condenação de Folbigg na época.
Foi somente em 2020, após a publicação de novas descobertas sobre o assunto, que ficou constatado que as duas filhas de Folbigg tinham mutações CALM2 que alteraram a estrutura das proteínas de calmodulina (BROHUS, 2021).
Experimentos de laboratório demonstraram que essas proteínas mutantes não conseguiam realizar suas funções normais de controle dos canais de cálcio.
Essas descobertas, aliadas a outros achados relacionados a mutações genéticas nas crianças de Folbigg, levaram à revisão do caso e à finalização de seu perdão em junho de 2023.
O caso de Kathleen Folbigg destaca a importância do sequenciamento do genoma e da genética forense na revisão de casos criminais.
Com o avanço da tecnologia e a redução dos custos, é possível analisar o DNA de forma mais acessível e identificar mutações genéticas que antes eram desconhecidas.
Essas descobertas podem ter um impacto significativo na justiça criminal, permitindo a revisão de casos baseados em evidências genéticas e fornecendo uma compreensão mais aprofundada das causas subjacentes a determinados eventos.
No caso de Kathleen Folbigg, a análise genética foi fundamental para revelar a presença de mutações raras que explicavam as mortes de suas filhas.
Essa história serve como um exemplo vívido do poder da ciência e da genética na busca da verdade e na promoção da justiça.
Referências
CROTTI, Lia et al. Calmodulin mutations associated with recurrent cardiac arrest in infants. Circulation, v. 127, n. 9, p. 1009-1017, 2013. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.
JIMÉNEZ-JÁIMEZ, Juan et al. Calmodulin 2 mutation N98S is associated with unexplained cardiac arrest in infants due to low clinical penetrance electrical disorders. PloS one, v. 11, n. 4, p. e0153851, 2016. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.
CROTTI, Lia et al. Calmodulin mutations and life-threatening cardiac arrhythmias: insights from the International Calmodulinopathy Registry. European heart journal, v. 40, n. 35, p. 2964-2975, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.
BROHUS, Malene et al. Infanticide vs. inherited cardiac arrhythmias. EP Europace, v. 23, n. 3, p. 441-450, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.
Notícias
The science that unlocked a rare genetic mutation in the Folbiggs — and set Kathleen free. ABC News, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.
Kathleen Folbigg: science sheds new light on case of mother convicted of murdering her children. The Guardian 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.
How science unpacked mutation and disease in the Folbigg case – and prompted a new inquiry. Cosmos 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 jun 2023.
Cite-nos
SANTOS, Fábio. Mulher presa por 20 anos é perdoada graças a uma investigação genética. Ciência Mundo, jun 2023. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.