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Misterioso sentido de navegação dos tubarões

Os motoristas da atualidade já estão acostumados a utilizar o GPS para guiá-los ao seu destino. Hoje em dia, esse é um dispositivo tão útil, que, muitas vezes, nos perguntamos como os viajantes faziam no passado, quando este recurso ainda não existia. Para alguns animais, a natureza deu uma “forcinha”, sendo esta uma habilidade inata. Isso inclui também os tubarões, que não precisam de nada além dos seus próprios corpos e do campo magnético da Terra, para se orientar em suas viagens. Contudo, apesar dessa habilidade dos tubarões ser amplamente conhecida entre os biólogos e ecologistas, ainda não havia sido realizado um experimento controlado para demonstrar, efetivamente, essa capacidade.

Misterioso sentido de navegação dos tubarões -

Imagem: Tubarão Cabeça-de-pá, por Romain Huneau em Unsplash.

Neste artigo, falaremos sobre o trabalho do ecologista Bryan Keller (da Universidade Estadual da Flórida), que demonstrou, através de um experimento, que, tubarões podem compreender o campo magnético do nosso planeta, como se fosse uma bússola, e utilizar este recurso para navegar em grandes oceanos abertos. Assim, este estudo sugere, formalmente, que os tubarões sejam adicionados à longa lista de animais – que inclui ainda pássaros, tartarugas marinhas e lagostas – que conseguem navegar através desse misterioso sentido de navegação.

Para o biólogo Michael Winklhofer (universidade Carl von Ossietzky de Oldenburg na Alemanha, mas que não fez parte desse estudo), é muito interessante que se tenha, finalmente, realizado este estudo sobre o campo magnético terrestre em tubarões, já que muitos trabalhos apontavam para isso.

Por exemplo, em 2005, cientistas relataram um estudo em que um grande tubarão brando teria nadado da África do Sul à Austrália, e depois, retornado, traçando uma trajetória em linha (aproximadamente) reta. Essa façanha fez os pesquisadores desconfiarem que esses animais contam com algum sentido magnético para se guiarem (BONFIL, 2005).

Esta habilidade vem sendo investigada em elasmobrânquios – um grupo de peixes contendo tubarões, raias e peixes-serra – desde a década de 70 (ANDERSON, 2017; HOLLAND, 1999; KALMIJN1973). Para Winklhofe, ninguém havia ainda demonstrado com clareza que tubarões usam o campo magnético da Terra para se localizar ou navegar, pois, esses animais não são nada fáceis de se lidar. Uma coisa é você realizar experimentos com lagostas e filhotes de tartarugas marinhas numa bacia, outra coisa é você lidar com tubarões, que vão exigir tanques e equipamentos bem maiores (risos).

Assim, dada a importância dessa lacuna científica, Keller e seus colegas decidiram realizar um grande experimento, para descobrir, de uma vez por todas, se os tubarões têm realmente essa habilidade. Os pesquisadores revestiram uma gaiola do tamanho de um quarto grande com fio de cobre e colocaram uma pequena piscina no centro da gaiola. Ao passar diferentes tipos de correntes elétricas pela fiação, eles poderiam gerar campos magnéticos personalizados no centro da piscina. A equipe então coletou 20 tubarões cabeça-de-pá (Sphyrna Tiburo) jovens – que é uma espécie conhecida por migrar por centenas de quilômetros – de um banco de areia na costa da Flórida. Eles, então, colocaram os tubarões na piscina, um de cada vez, e os deixaram nadar livremente sob três campos magnéticos diferentes, aplicados em sucessão aleatória. Um campo imitou o campo magnético natural da Terra no local onde os tubarões foram coletados, enquanto os outros imitaram os campos em locais a 600 quilômetros ao norte e a 600 quilômetros ao sul de suas “casas”.

Quando o campo aplicado foi o mesmo do local da coleta, os animais nadavam em direções aleatórias. Porém, quando submetidos ao campo magnético do sul, os tubarões mudaram persistentemente suas direções para nadar para o norte, batendo na parede da piscina, como se estivessem indo para “casa”. Para o ecologista especializado em tubarões Neil Hammerschlag (da Universidade de Miami que não esteve envolvido no estudo), isso sugere que eles são capazes de perceber o campo magnético para auxiliar na migração de longa distância.

Além disso, observou-se também que os tubarões ficaram indiferentes quando submetidos à simulação do campo magnético do norte. Segundo Keller, isso já era esperado, pois, os tubarões cabeça-de-pá não costumam migrar para o norte de sua origem, e, dessa forma, raramente precisam encontrar o caminho para o sul, a partir do norte. Isso parece ser algum tipo de “aprendizagem genética” que eles desenvolveram, já que, o campo magnético do norte não tem muita utilidade, pois eles nunca estiveram lá.

Embora este experimento tenha sido realizado com tubarões cabeça-de-pá, Keller afirma que, muito provavelmente, outros tubarões também usam este recurso para se orientar. Outras espécies como o grande tubarão-branco, que viaja distâncias bem maiores do que os tubarões cabeça-de-pá, estariam dando ainda mais utilidade para essa habilidade. O problema é que, realizar o mesmo experimento com tubarões-brancos irá requer muito mais recursos para pesquisa, dado o tamanho desses animais.

Com essa habilidade agora demonstrada em tantos animais, Winklhofer espera agora que outras pesquisas descubram qual é o mecanismo responsável por essa capacidade. Alguns dizem que esse sentido é promovido por células contendo algum mineral magnético ferroso, como o magnetite (KIRSCHVINK, 1981), enquanto outros desconfiam de uma proteína existente na retina desses animais chamada de criptocromo (GEGEAR, 2008).

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Vídeo: Canal “Nunca vi 1 cientista” em Youtube.

Referências

ANDERSON, James M. et al. Insight into shark magnetic field perception from empirical observations. Scientific reports, v. 7, n. 1, p. 1-15, 2017 HOLLAND, K. N. et al. Movements of tiger sharks (Galeocerdo cuvier) in coastal Hawaiian waters. Marine Biology, v. 134, n. 4, p. 665-673, 1999. Disponível em <LINK>. Acesso em: 11 set. 2021.

BONFIL, Ramón et al. Transoceanic migration, spatial dynamics, and population linkages of white sharks. Science, v. 310, n. 5745, p. 100-103, 2005.

GEGEAR, Robert J. et al. Cryptochrome mediates light-dependent magnetosensitivity in Drosophila. Nature, v. 454, n. 7207, p. 1014-1018, 2008. Disponível em <LINK>. Acesso em: 14 ago. 2021 .

HOLLAND, K. N. et al. Movements of tiger sharks (Galeocerdo cuvier) in coastal Hawaiian waters. Marine Biology, v. 134, n. 4, p. 665-673, 1999. Disponível em <LINK>. Acesso em: 11 set. 2021.

KALMIJN, Ad J. Electro-orientation in sharks and rays: theory and experimental evidence. SCRIPPS INSTITUTION OF OCEANOGRAPHY LA JOLLA CA, 1973. Disponível em <LINK>. Acesso em: 11 set. 2021.

KELLER, Bryan A. et al. Map-like use of Earth’s magnetic field in sharks. Current Biology, 2021.

KIRSCHVINK, Joseph L.; GOULD, James L. Biogenic magnetite as a basis for magnetic field detection in animals. Biosystems, v. 13, n. 3, p. 181-201, 1981. Disponível em <LINK>. Acesso em: 15 ago. 2021.

Notícias

Sharks use Earth’s magnetic field to navigate the seas. Science, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 11 set. 2021.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Misterioso sentido de navegação dos tubarões. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.