Pular para o conteúdo

Implante cerebral permite homem completamente paralisado de se comunicar novamente

Um homem de 34 anos, completamente paralisado devido a esclerose lateral amiotrófica (ELA), conseguiu se comunicar com sua família através de impulsos cerebrais traduzidos por um computador.

Implante cerebral permite homem completamente paralisado de se comunicar novamente -

Imagem: Pavel Danilyuk em Pexels.

O feito foi realizado por uma equipe coordenada pelo Dr. Ujwal Chaudhary – da Universidade de Tübingen, na Alemanha – e publicado na revista Nature (CHAUDHARY, 2022).

Sistemas semelhantes já foram propostos em outros trabalhos, mas estes consideraram pacientes que ainda possuíam movimentos, mesmo que limitados, para produzir pulsos através de eletrodos. O atual estudo deu um grande salto nesta tecnologia ao conseguir utilizar o mesmo sistema em um paciente voluntário completamente paralisado.

Matriz de eletrodos (microimplante) utilizado neste trabalho produzido pela empresa Wyss Center.
Matriz de eletrodos (microimplante) utilizado neste trabalho produzido pela empresa Wyss Center.
Imagem: Wyss Center.

“Até onde sabemos, o nosso é o primeiro estudo a conseguir possibilitar a comunicação de alguém que não tem movimentos voluntários remanescentes, sendo o sistema o único meio de comunicação”, diz o neurocientista e coautor deste trabalho, Jonas Zimmermann, do Wyss Center, empresa que desenvolveu o implante de matriz de eletrodos, na Suíça.

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)

A ELA é uma doença caracterizada pela degeneração progressiva dos neurônios que controlam os músculos. A doença não tem cura e suas causas ainda são desconhecidas. Um dos pacientes mais emblemáticos da doença é o físico Stephen Hawking que conviveu com a esclerose desde os 21 anos.

Uma das condições mais terríveis da ELA é o pseudocoma (ou síndrome do “bloqueio”), um estado em que o paciente não é capaz de andar, nem falar, mas consegue ver, ouvir e sentir as coisas.

Sem a capacidade de mover a boca ou a língua, a comunicação se torna severamente limitada. Quando os pacientes ainda conseguem mover os olhos, eles podem piscar ou “apontar” com as pupilas para se fazer entender. No entanto, em alguns casos avançados, até mesmo essa forma básica de comunicação não é possível.

Esta é a situação do atual paciente voluntário. Poucos meses após o diagnóstico da doença, ele já havia perdido a capacidade de andar e falar. Um ano depois, o paciente foi colocado em um ventilador para ajudá-lo a respirar, e, mais tarde, perdeu a capacidade de fixar o olhar.

O isolamento extremo acabou levando o paciente e sua família a concordar com o atual experimento. Antes que o paciente perdesse a capacidade de mover os olhos, ele consentiu em um procedimento cirúrgico para implantar duas matrizes de eletrodos na parte do cérebro que controla os movimentos musculares.

O sistema

Cada matriz do implante é equipada com 64 eletrodos (8×8), semelhantes a agulhas, que captam as tentativas conscientes do cérebro de mover os músculos do corpo. Essa atividade cerebral é então enviada para um computador, que transcodifica os impulsos em letras ou palavras, que são então faladas por uma caixa de som.

Configuração do sistema utilizado no experimento.
Configuração do sistema utilizado no experimento.
Imagem:. CHAUDHARY, 2022.

Foram necessários alguns meses de treinamento, para que o paciente aprendesse a controlar seus impulsos cerebrais. Após esse período, ele conseguiu utilizar um programa de ortografia para selecionar letras específicas, que eram faladas em voz alta pelo programa, para formar palavras e, até mesmo, frases.

A precisão da tecnologia ainda não é perfeita, e por isso ele só conseguiu dar respostas em 80% das vezes. Normalmente, ele só conseguia gerar palavras, mas às vezes, também produzia frases.

“Esse desempenho eventualmente ruim ocorre porque o mecanismo de captura de pulsos depende do sistema auditivo, tornando nossa abordagem um pouco mais lenta do que outros mecanismos baseados em sistema visual”, afirmam os autores do estudo.

As mensagens enviadas pelo paciente

A primeira frase que o paciente conseguiu soletrar foi um “obrigado” ao neurobiólogo Niels Birbaumer, coautor do artigo publicado e coordenador deste projeto.

Em seguida, ele fez alguns pedidos inusitados como “receber massagem na cabeça da mãe” e “ouvir um álbum da banda Tool em volume alto”.

Após 247 dias do procedimento cirúrgico, o paciente deu seu veredicto sobre o aparelho: “Rapazes, funciona sem esforço”.

No dia 251 ele mandou a mensagem “Eu te amo meu filho” para seu filho, com quem ele solicitou assistir a um filme da Disney.

No dia 462, o paciente expressou que “gostaria de uma cama nova”, e no dia seguinte, perguntou se “poderia ir com seus amigos e parentes a um churrasco”.

Para Chaudhary, fazer uma pessoa nesse estado conseguir formar frases novamente é algo realmente gratificante. “Uma vez, quando eu estava lá, ele disse: ‘Obrigado por tudo, irmã’, para a irmã, que lhe cuidava… foi um momento emocionante”, descreve Chaudhary.

Questões éticas

Fazer uma pessoa em pseudocoma voltar a se comunicar, no entanto, tem uma série de considerações éticas. Para começar, segundo Birbaumer, a sociedade deve definir quem pode autorizar a instalação do dispositivo, caso a pessoa esteja completamente paralisada.

Além disso, alguns críticos alertam que devemos avaliar com cautela a precisão desses sistemas para podermos interpretar adequadamente o que os pacientes estão nos dizendo. Como ter certeza de que as mensagens estão sendo realmente produzidas pelo indivíduo paralisado? Estas mensagens teriam valor jurídico?

“Embora esta seja uma tecnologia nova, ainda não liberada para uso fora dos ensaios clínicos, se for realmente útil para a sociedade, devemos já começar a discutir esses dilemas”, complementa Birbaumer.

A única certeza que temos agora é que possibilitar pacientes com ELA avançada de se comunicar novamente será um grande avanço da medicina e um grande alívio para os pacientes e suas famílias.

Comente…


Referências

CHAUDHARY, U., Vlachos, I., Zimmermann, J.B. et al. Spelling interface using intracortical signals in a completely locked-in patient enabled via auditory neurofeedback training. Nat Commun 13, 1236, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 24 mar. 2022.

Notícias

Brain Implant Allows Fully Paralyzed Patient to Communicate. New York Times, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 24 mar. 2022.

Brain Implant Enables Completely ‘Locked-In’ Man to Communicate Again. Science Alert, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 24 mar. 2022.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Implante cerebral permite homem completamente paralisado de se comunicar novamente. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, mar. 2022. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.