A descoberta bate o recorde anterior, que foi de uma estrela detectada pelo Hubble em 2018, que tinha cerca de 4 bilhões de anos. Esse momento cósmico equivale a 30% da idade atual do universo e é identificado pelos astrônomos como “redshift 1,5”.
O redshift, ou desvio para o vermelho, é um efeito muito explorado pelos cientistas para determinar a distância de objetos no cosmos, pois, à medida que o universo se expande, o comprimento de onda da luz de objetos mais distantes é esticado, tornando-os mais avermelhados no espectro.
A estrela recém-detectada está tão distante que sua luz levou 12,9 bilhões de anos para chegar à Terra. Sua imagem é de quando o universo tinha apenas 7% de sua idade atual, conforme o desvio para o vermelho de 6,2. Os menores objetos vistos anteriormente a uma distância tão grande no tempo são aglomerados de estrelas em galáxias primitivas.
“Quase não acreditamos no começo, pois era muito mais longe do que a estrela anterior e com maior desvio para o vermelho”, disse o astrônomo Brian Welch – da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore – principal autor do artigo que descreve a descoberta (WELCH, 2022).
A descoberta foi feita a partir de dados coletados durante o programa RELICS (Reionization Lensing Cluster Survey) do Hubble, liderado pelo coautor Dan Coe, do Space Telescope Science Institute (STScI), também em Baltimore.
“Normalmente a essas distâncias, galáxias inteiras parecem pequenas manchas, com a luz de milhões de estrelas se misturando”, disse Welch. “A galáxia que hospeda esta estrela foi ampliada e distorcida por lentes gravitacionais em um longo crescente que chamamos de Arco do Nascer do Sol”.
Depois de estudar a galáxia em detalhes, Welch descobriu uma estrela extremamente ampliada que ele chamou de Earendel, que significa “estrela da manhã” em inglês antigo.
“Earendel existiu há tanto tempo que pode não ter sido constituída das mesmas matérias-primas das estrelas de hoje”, explicou Welch. “Estudar Earendel será uma janela para uma era do universo com a qual não estamos familiarizados, mas que levou a tudo o que existe hoje. É como se estivéssemos apreciando um livro realmente interessante, que começamos a ler no segundo capítulo e agora temos a chance de ver como tudo começou”, disse Welch.
O alinhamento que ajudou os astrônomos
A equipe de pesquisa estima que Earendel tenha pelo menos 50 vezes a massa do nosso Sol e milhões de vezes sua luminosidade, rivalizando com as estrelas mais massivas conhecidas. No entanto, mesmo com todo esse brilho e massa seria impossível observá-la a uma distância tão grande sem a ajuda da ampliação natural de um enorme aglomerado de galáxias, o WHL0137-08, existente entre nós e Earendel. A massa do aglomerado de galáxias distorce o tecido do espaço, criando uma poderosa lupa natural que distorce e amplifica muito a luz de objetos distantes que passa por ela.
Graças a esse raro alinhamento a estrela Earendel aparece em uma onda no tecido do espaço. Essa ondulação, conhecida na óptica como “cáustica”, fornece ampliação e brilho máximos. O efeito é análogo à superfície ondulada de uma piscina criando padrões de luz que destacam elementos no fundo, em um dia ensolarado. Da mesma forma, a cáustica faz com que a estrela Earendel se destaque de sua galáxia hospedeira, já que seu brilho é ampliado mil vezes ou mais.
Os astrônomos não são capazes de determinar se Earendel é uma estrela binária, embora a maioria das estrelas massivas tenha pelo menos uma estrela companheira menor.
Confirmação com Webb
Os astrônomos esperam que Earendel permaneça ampliada pela lente gravitacional nos próximos anos. Nesse caso, o Telescópio Espacial James Webb da NASA também terá a chance de observá-la, nos revelando mais sobre esta estrela distante.
“Com o Webb, esperamos confirmar que Earendel é de fato uma estrela, além de medir seu brilho e temperatura”, disse Coe. Esses detalhes restringirão seu tipo e estágio no ciclo de vida estelar. “Também esperamos descobrir se a galáxia Sunrise Arc é carente dos elementos pesados que se formam nas gerações subsequentes de estrelas. Nesse caso, Earendel seria uma estrela rara, que apesar de massiva é pobre em metais“, disse Coe.
A composição de Earendel ainda é um enigma para os astrônomos, pois ela se formou antes que o universo fosse preenchido com os elementos pesados produzidos por sucessivas gerações de estrelas massivas. Se ficar comprovado que Earendel é composta apenas de hidrogênio e hélio, que são elementos primordiais, então teremos a primeira evidência das lendárias estrelas da População III, supostamente, as primeiras estrelas nascidas após o big bang. Welch, afirma que essa probabilidade é pequena, porém atraente.
Segundo Welch, com o Webb certamente quebraremos o recorde de Earendel, pois o novo telescópio é capaz de enxergar objetos ainda mais distantes no espaço (e no tempo).
Vídeos
Referências
WELCH, B., Coe, D., Diego, J.M. et al. A highly magnified star at redshift 6.2. Nature 603, 815–818, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 30 mar. 2022.
Notícias
Record Broken: Hubble Spots Farthest Star Ever Seen. NASA, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 30 mar. 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Hubble localiza a estrela mais distante já vista. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, mar. 2022. Disponível em: . Acesso em: .