Pular para o conteúdo

Estrela engole um buraco negro e depois explode

Astrônomos acreditam ter capturar recentemente um evento raro de duplo canibalismo cósmico em que uma estrela engole um objeto supermassivo — provavelmente um buraco negro, ou uma estrela de nêutrons — que, uma vez dentro da estrela, engole o seu núcleo, fazendo-a explodir, deixando ao final apenas um buraco negro solitário.

Estrela engole um buraco negro e depois explode -

Imagem: LoganArt. Disponível em Pixabay.

Este evento extraordinário ocorreu no dia 20 de novembro de 2017 e foi capturado inicialmente em uma varredura noturna pelo Very Large Array (VLA) — um radiotelescópio composto por 27 “pratos” gigantes localizados no deserto do Novo México. O telescópio registrou uma explosão de energia de rádio, tão brilhante quanto uma supernova, vinda de um local onde antes havia apenas uma estrela anã em uma galáxia ainda em formação, a aproximadamente 500 milhões de anos-luz.

O astrônomo Dilon Dong — da Caltech, que estava na equipe no dia e recentemente publicou um artigo detalhando o ocorrido, (DONG, 2021) — afirma que aquela foi uma noite de muito trabalho, pois eles tinham poucas horas para registrar os detalhes iniciais do evento, que são os mais importantes. Além do VLA que identificou a radiação vinda do local da explosão, eles utilizaram também um dos telescópios do observatório W.M. Keck no Havaí, que é capaz de registrar imagens ópticas. O telescópio Keck capturou um fluxo luminoso de material expandindo a 3,2 milhões km/h, vindo do local da (ex-)estrela, sugerindo que uma explosão havia acabado de acontecer.

A) Arquivo de registro de rádio do local do evento em 1997, completamente vazio. B) Registro de rádio da explosão em 2017. C) Imagem óptica do local capturada pelo telescópio Keck
A) Arquivo de registro de rádio do local do evento em 1997, completamente vazio. B) Registro de rádio da explosão em 2017. C) Imagem óptica do local capturada pelo telescópio Keck
Imagem; DONG, 2021

A equipe então foi investigar o histórico daquela localidade e descobriu um registro de uma fonte de raio-X extremamente brilhante em um arquivo de dados do telescópio japonês Monitor of All Sky X-ray Image (MAXI) instalado na Estação Espacial Internacional. Este raio-X foi capturado no mesmo lugar da explosão de rádio, mas tinha sido registrado em 2014.

Ao juntar os dados, Dong e seus colegas criaram uma hipótese extraordinária sobre as causas do evento. Segundo eles, há muito tempo, havia um sistema binário naquele local – ou seja, duas estrelas orbitando uma a outra. Após milhões de anos de convivência pacífica, uma das irmãs morreu em uma explosão supernova, se tornando um objeto compacto, possivelmente, uma estrela de nêutrons, ou um buraco negro. A gravidade, então, foi aproximando a estrela remanescente e sua irmã “morta”, até que a estrela absorveu o objeto compacto, que ficou vagando em seu interior por milhares de anos, nas camadas mais externas. Com o passar do tempo, o objeto desceu para o interior da estrela, encontrou o seu núcleo e o engoliu. No processo, a estrela se expandiu em uma enorme quantidade de gás e poeira formando uma nuvem de material ao redor de um único objeto, remanescente.

Os registros de raios-X capturados em 2014, provavelmente foram provenientes das forças gravitacionais extremas e das interações magnéticas complexas, resultantes da “mastigação cósmica” da estrela morta. Ao final, houve uma detonação, onde os detritos se chocaram em altas velocidades na casca interna da estrela, gerando o brilho óptico e as ondas de rádio que captamos aqui da Terra em 2017.

Segundo Dong, esse fenômeno já era previsto pelos astrofísicos teóricos que o chamam de supernova do colapso do núcleo desencadeada por fusão, porém esta é a primeira vez que ele é observado.

Para o astrofísico Adam Burrows — da Universidade de Princeton, mas que não fez parte dessa pesquisa — o trabalho realizado pela equipe de Dong é de extrema importância, pois essas observações ajudarão também nos estudos de outro fenômeno chamado evolução de envelope comum, onde uma estrela fica imersa dentro de outra (IVANOVA, 2013). Nesse fenômeno, os estágios da vida das estrelas são relativamente curtos do ponto de vista cósmico, mas muito demorados para observação e pesquisa humana. Isso torna a observação desse fenômeno uma tarefa quase impossível. Contudo, o trabalho realizado por Dong nos dá várias novas alternativas de ferramentas colaborativas que poderiam ser empregadas na captura desse fenômeno.

Segundo Dong, esses estágios finais desses sistemas também podem ser capturados por outras ferramentas como, por exemplo, o Advanced Laser Interferometer Gravitational-Wave que é capaz de capturar ondulações no tecido do espaço-tempo. Logo, o uso colaborativo desses recursos poderia nos auxiliar a observar com mais clareza estes eventos cósmicos. Se soubermos utilizar corretamente várias fontes de evidência, poderemos encontrar mais exemplos de fenômenos tão estranhos quanto esse, que só existem no universo teórico.

Referências

DONG, Dillon Z. et al. A transient radio source consistent with a merger-triggered core collapse supernova. Science, v. 373, n. 6559, p. 1125-1129, 2021. Disponível em <link>. Acesso em: 04 out. 2021.

IVANOVA, N. et al. Common envelope evolution: where we stand and how we can move forward. The Astronomy and Astrophysics Review, v. 21, n. 1, p. 1-73, 2013. Disponível em <link>. Acesso em: 04 out. 2021.

Notícias

Astronomers may have seen a star gulp down a black hole and explode. Science News, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 04 out. 2021.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Estrela engole um buraco negro e depois explode. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.