O pesquisador Magnus Berggren e seus colegas da Universidade de Linköping na Suécia desenvolveram um método para cultivar eletrodos dentro de tecidos vivos de peixes, utilizando a química do próprio corpo (STRAKOSAS, 2023).
A técnica utiliza açúcares do corpo dos animais para transformar um gel injetado em um eletrodo flexível sem danificar os tecidos, de acordo com um artigo publicado na revista Science.
Os peixes-zebra com esses eletrodos cultivados em seus cérebros, corações e caudas não mostraram sinais de efeitos adversos, e os testes realizados também em sanguessugas conseguiram estimular com sucesso um nervo.
Esses eletrodos podem ser úteis para uma ampla gama de aplicações, desde estudar como os sistemas biológicos funcionam até melhorar interfaces homem-máquina.
Eles também podem ser usados na medicina bioeletrônica em terapias de estimulação cerebral para depressão, doença de Parkinson e outras condições.
A nova técnica visa preencher a lacuna de interface entre a biologia e o hardware eletrônico.
Utilizando técnicas convencionais de bioeletrônica, dispositivos artificiais podem carregar certas partes que podem ser propensas a rachaduras e outros problemas, e a inserção desses dispositivos inevitavelmente causa danos aos tecidos.
Estudos anteriores tentaram cultivar eletrônicos flexíveis dentro dos tecidos, utilizando outras técnicas.
Em uma dessas abordagens, os pesquisadores utilizaram sinais elétricos ou químicos para alimentar a transformação de uma sopa química em eletrodos condutores, mas esses choques apresentaram danos.
Um estudo de 2020 contornou esse problema modificando geneticamente as células em vermes para produzir uma enzima projetada para essa função, mas o novo método desenvolvido na Universidade Linköping alcança esses resultados sem alterações genéticas.
Os eletrodos dos cientistas usam uma fonte natural de energia já presente no corpo: os açúcares.
O coquetel de gel desenvolvido contém moléculas chamadas oxidases que reagem com os açúcares – glicose ou lactato – para produzir peróxido de hidrogênio.
Isso, por sua vez, ativa outro ingrediente no coquetel, uma enzima chamada peroxidase de hidrogênio, que é o catalisador necessário para transformar o gel em um eletrodo condutor.
Para testar esta nova técnica de bioeletrônica, os pesquisadores injetaram o coquetel nos cérebros, corações e nadadeiras de peixes-zebra transparentes.
O gel fica azul quando se torna condutor, dando uma indicação visual de sua inserção.
Os peixes pareciam não sofrer nenhum efeito adverso, e os pesquisadores não viram evidências de danos nos tecidos.
Em sanguessugas parcialmente dissecadas, a equipe conseguiu conduzir corrente a um nervo por meio de um eletrodo flexível, induzindo contrações musculares.
No entanto, a performance a longo prazo dos implantes ainda precisa ser determinada, uma vez que substâncias no corpo podem reagir com os materiais dos eletrodos ao longo do tempo, degradando-os ou até mesmo produzindo substâncias tóxicas.
É importante lembrar que os resultados obtidos até o momento são promissores, mas ainda são experimentais e não estão prontos para uso clínico. Mais pesquisas e testes serão necessários para avaliar a segurança e eficácia desses dispositivos em aplicações biomédicas.
Além disso, outro desafio que precisa ser superado é a precisão dos eletrodos na estimulação de nervos. Ainda não está claro como os cientistas poderão garantir que a estimulação seja concentrada no local desejado para um determinado tratamento, sem vazar corrente para regiões indesejadas.
Para a engenheira química Zhenan Bao, da Universidade de Stanford, que não participou do estudo, é fundamental que os pesquisadores encontrem maneiras de aprimorar a precisão da estimulação dos nervos, especialmente em aplicações clínicas.
Atualmente, a abundância relativa de diferentes açúcares em diferentes tecidos determina exatamente onde os eletrodos se formam. Mas no futuro, um componente do ingrediente principal poderia ser substituído por elementos que se ligam a partes específicas da biologia para tornar o direcionamento muito mais preciso.
Os pesquisadores estão conduzindo experimentos para tentar ligar diretamente esses materiais a células individuais. Segundo Strakosas, “há algumas aplicações onde a precisão é realmente importante, é aí que temos que investir esforços”.
Apesar dos desafios, essa nova técnica de bioeletrônica é um avanço significativo em bio eletrônica, sendo um passo importante para a criação de dispositivos biomédicos mais precisos, menos invasivos e mais eficazes, que possam melhorar a vida de muitas pessoas.
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Referências
STRAKOSAS, Xenofon et al. Metabolite-induced in vivo fabrication of substrate-free organic bioelectronics. Science, v. 379, n. 6634, p. 795-802, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 25 fev 2023.
Notícias
A gel cocktail uses the body’s sugars to ‘grow’ electrodes in living fish. Science News, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 25 fev 2023.
Cite-nos
SANTOS, Fábio. Eletrodos são “cultivados” em peixes vivos através de um gel especial. Ciência Mundo, fev 2023. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.