Há 1.000 anos, artistas nativos esculpiram, sob a luz de tochas, figuras no teto de uma caverna onde hoje é o Alabama.
Ao longo do milênio as esculturas tornaram-se quase invisíveis em virtude da lama que naturalmente se acumulou nas paredes da caverna.
Agora, graças a técnicas avançadas de fotografia, o arqueólogo Jan Simek — professor da Universidade do Tennessee em Knoxville — e amigos conseguiram revelar essas esculturas que podem ser o maior acervo de arte rupestre já encontrado dentro de uma caverna na América do Norte (SIMEK, 2022).
Várias das esculturas parecem mostrar pessoas vestindo trajes nativos, como cocares, e carregando o que parecem ser chocalhos. Os pesquisadores acham que eles estariam representando os espíritos dos mortos. Algumas figuras têm quase dois metros de comprimento.
Segundo Simek, não dá para saber se são pessoas vestidas com trajes para parecerem espíritos, ou são uma representação dos próprios espíritos. De qualquer forma, se as figuras são de pessoas fantasiadas, elas estariam materializando os espíritos.
Para documentar o acervo, Simek decidiu fazer um registro científico fotográfico da arte rupestre no teto da caverna, pois temia que as esculturas se deteriorassem, tornando-se ainda mais invisíveis.
O acervo possui cinco figuras grandes, sendo quatro representando pessoas vestindo trajes e uma quinta que ilustra uma cobra enrolada, possivelmente uma cascavel diamante.
Os pesquisadores, temendo a depredação turística, não revelaram ainda a localização exata da caverna, mas afirmam que ela está situada na zona rural do norte do Alabama, e acreditam que seja o local de arte rupestre mais rico da América do Norte.
O sítio arqueológico compreende uma das milhares de cavernas na parte sul do Planalto Apalache, uma enorme região de cársico — um tipo de relevo geológico caracterizado pela dissolução química (ou corrosão) de rochas, que leva ao aparecimento de uma série de características físicas, tais como cavernas, vales secos, rios subterrâneos e paredões.
A caverna estuda foi identificada pelos pesquisadores apenas como “19ª Caverna Sem Nome” e se estende por quilômetros abaixo da superfície. Simek afirma que centenas de figuras esculpidas estão incisas no teto do que ele chama “zona escura”, um local cheio de estalactites e estalagmites logo após a entrada.
A equipe estima que as esculturas foram feitas há cerca de 1.000 anos por pessoas que viveram durante a fase final de uma floresta nativa americana na região.
Simek explica que as esculturas das cavernas são diferentes das encontradas acima do solo, que geralmente retratam outros assuntos em estilos diferentes, muitas vezes de forma alegre e com tinta vermelha. Para os pesquisadores, esse estilo distinto e sombrio se deve ao fato das cavernas serem consideradas, em muitas tradições nativas americanas, como entradas para um submundo dos mortos.
Embora a entrada da caverna seja grande, a distância entre o chão e o teto é de apenas um metro e meio na zona escura, algo que não era diferente quando as esculturas foram feitas. Isso significa que os artistas não podiam ver a totalidade das figuras enquanto as esculpiam.
Os trabalhos foram certamente realizados sob a luz de palha de junco, pois vários depósitos remanescentes desse “combustível para iluminação” são encontrados em toda a caverna.
As figuras foram esculpidas no revestimento de barro do teto da caverna, possivelmente com uma ferramenta de pedra, mas agora estão debaixo de várias camadas de lama que se acumularam por anos, desde que as esculturas foram feitas.
Como muitas dessas gravuras esculpidas estão agora quase invisíveis, Simek e seus colegas só puderam enxergá-las após criar modelos fotográficos do teto da caverna utilizando uma técnica conhecida como fotogrametria, que combina fotografias digitais com modelos computadorizados tridimensionais.
A caverna foi descoberta na década de 1990 pelo espeleólogo Alan Cressler, que mais tarde convidou Simek e o fotógrafo Stephen Alvarez, que sugeriu as tecnologias fotográficas para registrar as imagens.
Cressler e Alvarez , que também são co-autores do artigo, fundaram o Ancient Art Archive em 2017, um projeto para registrar as esculturas da “19ª Caverna Sem Nome” que inspiraram o atual trabalho científico de Simek.
Quando chegou na caverna pela primeira vez, Alvarez logo percebeu que eles poderiam documentar melhor as esculturas com fotogrametria. Segundo os pesquisadores, a estratégia não apenas revelou as gravuras, mas descobriu que havia centenas, senão milhares a mais do que se imaginava.
Para a realização desta técnica fotográfica foram obtidas 14.000 fotografias de uma área pequena do teto. Os pesquisadores acreditam que outros lugares da caverna possam esconder mais figuras.
Segundo o arqueólogo Radek Palonka — Universidade Jagiellonian, na Polônia — a tradição nativa americana de esculturas em cavernas no sudeste dos EUA é diferente em estilo e técnica da tradição mais conhecida de arte rupestre do sudoeste, onde pinturas e esculturas são geralmente feitas em saliências de rochas expostas. Ele afirma, no entanto, que a mesma estratégia de fotogrametria também está tendo ótimos resultados lá.
Referências
SIMEK, J. et al. Discovering ancient cave art using 3D photogrammetry: Pre-contact Native American mud glyphs from 19th Unnamed Cave, Alabama. Antiquity.1-17. doi:10.15184/aqy.2022.24 , 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 5 maio 2022.
Notícias
America’s largest cave figures discovered in Alabama. NBC News, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 5 maio 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Descoberto o maior acervo rupestre da América do Norte. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, maio 2022. Disponível em: . Acesso em: .