Em 2016, foi confirmado que essas pegadas foram feitas por pessoas e animais reais, e que elas eram bem antigas. Contudo, somente agora, em 2021, em um trabalho coordenado pelo professor Matthew Bennet (Bournemouth University no Reino Unido) que algumas dessas pegadas foram submetidas a uma análise mais rigorosa, onde se constatou que se tratavam dos primeiros habitantes humanos das Américas (BENNETT, 2021).
As pegadas no parque de White Sands foram datadas examinando-se as sementes de uma espécie de capim (Ruppia cirrhosa) que naquela época era abundante ao longo das margens de um lago, hoje seco. Essas sementes de capim foram encontradas em camadas de terra acima e abaixo das pegadas humanas e foram datadas por radiocarbono para determinar sua idade. Como as sementes e as pegadas estão aproximadamente na mesma camada subterrânea, os pesquisadores determinaram a idade das pegadas como sendo a mesma idade das sementes.
Em um dos locais, a análise apresentou resultados impressionantes, estimando a idade das pegadas entre 21.000 a 23.000 anos. Isso significa que essas pessoas já estavam ali no meio do máximo glacial, que foi o ápice da última era do gelo, entre 20.000 e 26.000 anos atrás. Segundo Bennet, essa é, até agora, a evidência mais antiga da presença de humanos nas Américas, estando vários milhares de anos antes das estimativas das evidências anteriores.
A geóloga Cynthia Liutkus-Pierce (Appalachian State University, Carolina do Norte) que já estudou pegadas antigas na Tanzânia, mas não está envolvida na pesquisa do parque de White Sands, alerta que é difícil datar essas pegadas fossilizadas com precisão, principalmente porque elas foram feitas na lama, e não em sedimentos vulcânicos que são mais fáceis de se datar. Contudo, ela afirma que foi uma decisão muito inteligente da equipe, datar os fósseis com base nas sementes próximas às pegadas, pois isso deu mais precisão às datas, e, consequentemente, mais credibilidade ao trabalho.
A existência de várias camadas subterrâneas de pegadas, mostra que essas pessoas estiveram por ali por um período significativo de tempo. Isso sugere uma presença sustentável de humanos naquela área e não um evento isolado de nômades em trânsito, buscando recursos, durante o último máximo glacial.
Uma pergunta que normalmente nós fazemos quando falamos dos primeiros humanos, não europeus, no continente americano é: quando e como eles chegaram ali? Muito se debate sobre a possibilidade de os humanos terem chegado às Américas por uma provável rota temporária, conhecida como Beríngia, que ligou o norte da Sibéria ao Alaska, durante a era do gelo. Essa teoria defende que as vastas camadas de gelo da época teriam tornado a migração nessa região possível para humanos e animais terrestres. Para Bennet, essas pegadas fossilizadas respondem essa pergunta, sugerindo que essas pessoas podem ter chegado ali há até 30.000 anos, milhares de anos antes do máximo glacial.
O parque de White Sands é agora um deserto, mas na época em que as pegadas foram feitas era uma região úmida e exuberante. Há evidências por toda parte de que o local já foi povoado por mamutes, preguiças terrestres, boídeos, camelos selvagens, além de humanos primitivos. As pegadas humanas, que se misturam a pegadas de animais, mostram que essas pessoas teriam vivido lá por pelo menos 2.000 anos, afirma o coautor da pesquisa e arqueólogo Thomas Urban (Cornell University).
A participação de Urban neste trabalho foi essencial, pois ele desenvolveu um dispositivo não invasivo de penetração do solo. Trata-se de uma espécie de radar capaz de revelar as pegadas debaixo da superfície e mostrar para os pesquisadores os melhores lugares para escavar (URBAN, 2019).
Um fato curioso sobre as pegadas é que, as menores, feitas por adolescentes e crianças, são mais numerosas do que as feitas por adultos. Segundo Urban, isso é esperado, pois, possivelmente, essas crianças estariam envolvidas em serviços domésticos simples, ao invés de tarefas que exigiam mais habilidade fora da comunidade, como, por exemplo, caçar. As atividades cotidianas dessas crianças possivelmente consistiam em brincadeiras, coleta de alimentos, busca por água, o que é compatível com o grande número de pegadas pequenas encontradas em um só lugar.
Uma dessas pegadas do parque de White Sands é considerada a maior trilha de pegada humana do mundo. Trata-se de uma sequência, que se estende por aproximadamente 1,6 Km, de pegadas profundas de pés pequenos. Pelos padrões analisados, acredita-se que esses pés teriam sido de uma jovem, possivelmente carregando uma criança, com bastante pressa, pois temia algo.
O que torna o trabalho do professor Bennet fantástico é o fato de que, ao contrário dos ossos e dos artefatos normalmente estudados na arqueologia, pegadas são únicas no sentido de registrar comportamentos fossilizados, pois são capazes de fornecer pistas importantes sobre quem as executou. Elas nos dão uma ideia da vida de nossos ancestrais, fornecendo informações detalhadas sobre suas atividades cotidianas e dinâmica social.
Vídeos
Referências
BENNETT, Matthew R. et al. Evidence of humans in North America during the Last Glacial Maximum. Science, v. 373, n. 6562, p. 1528-1531, 2021.
URBAN, Thomas M. et al. 3-D radar imaging unlocks the untapped behavioral and biomechanical archive of Pleistocene ghost tracks. Scientific reports, v. 9, n. 1, p. 1-10, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 29 set. 2021.
Notícias
Fossil footprints show humans in North America more than 21,000 years ago. NBC News, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 ago. 2009.
Fossilized Footprints. nps.gov, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 ago. 2009.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Descoberta a mais antiga evidência dos primeiros humanos nas Américas. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .