A pesquisa, coordenada pela antropóloga biológica Anne Burrows — da Universidade Duquesne em Pittsburgh — mostra que os músculos faciais dos cães têm uma proporção muito maior de fibras musculares de “contração rápida” do que os lobos, permitindo uma comunicação de sentimentos mais eficaz aos seus donos.
A mesma equipe de pesquisadores descobriu há alguns anos que os cães desenvolveram um músculo acima dos olhos para fazê-los parecerem maiores e criar aquela expressão cativante de “olhos de cachorrinho”. Esse trabalho mostrou que esse músculo não estava desenvolvido em lobos, sugerindo que os “olhos de cachorrinho” foram evoluídos nos cães para criar conexões com as pessoas.
Segundo a coautora do atual trabalho Kailey Omstead — fisiologista animal da Universidade Duquesne em Pittsburgh — a equipe descobriu agora que os músculos do rosto dos cães possuem de 66% a 95% fibras de contração rápida, enquanto os lobos, apenas 25%.
Os músculos de todos os mamíferos, incluindo humanos e cães, são feitos de milhões de fibras de uma proteína chamada miosina. Cada músculo tem uma mistura de fibras, composta por fibras de contração rápida, que fadigam rapidamente, e fibras de contração lenta, que não se cansam tão rápido.
Os músculos dos rostos humanos são dominados por fibras de contração rápida, que permitem-nos expressar “pensamentos faciais” instantaneamente, mas não repetidas vezes por muito tempo. Os músculos das costas, por outro lado, são dominados por fibras de contração lenta que toleram cargas e repetições por mais tempo.
“Se você pegar um peso de 10 kg, pode segurá-lo por um minuto inteiro”, disse Burrows. “Mas se você tentar segurar um sorriso no espelho por um minuto inteiro, não conseguirá. Os músculos do seu rosto ficam cansados, por a região ser dominada por fibras de contração rápida.”
Os pesquisadores sugerem, neste trabalho, que a alta proporção de fibras de contração rápida nos rostos dos cães está agora mais próxima da fisiologia humana do que da dos lobos.
Burrows acredita que isso pode ser uma consequência do processo de domesticação de cães, ao selecionar filhotes que pareciam mais responsivos aos humanos, resultando em rostos de cães com musculaturas mais rápidas ao longo do tempo.
Omstead acha que os povos do Paleolítico Superior, na Europa e na Ásia, ao domesticarem seus cães, selecionaram aqueles que tinham rostos que, ao se expressar, se conectam melhor com os humanos.
Burrows alerta, no entanto, que outra teoria sugere que os músculos faciais dos cães evoluíram dessa maneira, porque os povos pré-históricos preferiam cães que latiam. O latido é uma ação que usa fibras musculares de contração rápida, ao contrário do uivar dos lobos, que depende de fibras de contração lenta. Essa seleção humana pode ter ocorrido, porque cães que latem são melhores para alertar o perigo do que cães que uivam.
O biólogo evolucionista Marc Bekoff — da Universidade do Colorado, em Boulder — acredita, no entanto, que esses resultados preliminares podem estar mostrando outra coisa.
Bekoff trabalhou com coiotes e lobos que nasceram na natureza, mas foram criados por humanos. Ele afirma que, embora esses animais adultos não sejam tão obedientes quanto os cães, eles podem se comunicar bem com humanos. Ele alerta que essas fibras de contração rápida podem estar se manifestando como resultado do processo de domesticação, e não por um processo evolutivo.
Burrows e Omstead se defendem afirmando que os músculos faciais de cavalos e gatos domesticados não apresentam as mesmas alterações de cavalos selvagens e gatos selvagens, em comparação com as alterações entre cães e lobos.
O biológico Evan MacLean – diretor do Centro de Cognição Canina da Universidade do Arizona – sugeriu que a equipe investigue também se os cães não estariam exibindo uma forma de “neotenia”, ou seja, a manifestação de características de lobos juvenis, porém na idade adulta dos cães. Para ele, essas características menos agressivas foram mais interessantes durante a seleção humana e esse é um aspecto que ainda não foi estudado.
A equipe afirmou que as questões realmente pertinentes serão investigadas em trabalhos futuros.
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Referências
BURROWS, A. et al. Dog Faces Are Faster than Wolf Faces. Experimental Biology 2022 meeting in Philadelphia, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 07 abr. 2022.
Notícias
Dogs’ faces evolved to improve connections with people, study suggests. NBC News, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 07 abr. 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Cães evoluíram expressões faciais para se comunicar com humanos. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, abr. 2022. Disponível em: . Acesso em: .