Desde a descoberta da primeira espécie de Epulopiscium em 1985, a comunidade científica tem sido fascinada por essas bactérias gigantes, visíveis a olho nu, que habitam os intestinos do peixe Naso tonganus em ambientes oceânicos tropicais.
Agora, pela primeira vez, cientistas conseguiram sequenciar o genoma de uma dessas misteriosas bactérias, revelando um tipo de metabolismo nunca antes visto e abrindo novas perspectivas para a ciência e a tecnologia (SANNINO, 2023).
A nova bactéria – batizado de Epulopiscium viviparus pelos pesquisadores da Universidade Cornell, nos Estados Unidos –, apresenta características únicas que desafiam as convenções da biologia microbiana.
Enquanto a maioria das bactérias é invisível a olho nu, “estas gigantes” unicelulares têm um milhão de vezes o volume de seus parentes mais conhecidos, como a Epulopiscium coli, permitindo sua observação direta.
A reprodução da E. viviparus também é um fenômeno intrigante.
Enquanto as bactérias comuns se dividem ao meio para gerar duas novas células, essa bactéria gigante pode produzir até 12 cópias de si mesma dentro da célula parental, que são liberadas posteriormente no ambiente.
Esse processo, conhecido como viviparidade bacteriana, adiciona um elemento único à biologia desses microrganismos.
A capacidade de estudar essa bactéria não foi tarefa fácil, já que ela não pode ser cultivada em laboratório.
Os pesquisadores tiveram que capturar os peixes que a hospedam e coletar células rapidamente para análises de sequenciamento de DNA e transcriptoma.
O aspecto mais surpreendente revelado pelo sequenciamento do genoma é o tipo de metabolismo que a E. viviparus utiliza.
Enquanto a maioria das bactérias respira usando oxigênio ou obtém energia através da fermentação, essa bactéria gigante é exclusivamente fermentadora, o que é desconcertante, considerando seu tamanho, sua rápida reprodução e sua capacidade de movimentação.
A adaptação metabólica da E. viviparus ao ambiente intestinal do peixe revela uma otimização para a presença de íons de sódio.
O fluxo desses íons através das membranas celulares cria uma poderosa ‘força motriz de sódio’, gerando energia e impulsionando os flagelos, apêndices semelhantes a cabelos, que permitem a locomoção.
Curiosamente, essa estratégia metabólica também é compartilhada com o Vibrio cholerae, a bactéria responsável pela cólera.
Além disso, os pesquisadores descobriram que a E. viviparus possui enzimas altamente eficientes na extração de nutrientes do peixe hospedeiro, especialmente carboidratos como os polissacarídeos das algas que compõem grande parte da dieta do Naso tonganus.
Essa eficiência na utilização de nutrientes, aliada à produção abundante de ATP, a “moeda de energia” celular, sugere que essas bactérias gigantes podem desempenhar um papel crucial em futuras aplicações, como a produção sustentável de energia e o aumento da eficiência agrícola.
O estudo também revelou uma peculiar semelhança entre a membrana da E. viviparus e as mitocôndrias de organismos mais complexos.
Essas membranas altamente dobradas aumentam a área de superfície, criando uma verdadeira “usina de energia” que lembra o papel das mitocôndrias nas células eucarióticas.
Embora muitos mistérios ainda envolvam a E. viviparus, este estudo fornece uma base sólida para futuras pesquisas.
A complexidade e a adaptação extraordinárias dessas bactérias gigantes sugerem que elas evoluíram de maneira altamente específica para sobreviver nos ambientes únicos em que foram descobertas.
Desvendar os segredos da E. viviparus não apenas expande nosso entendimento da vida microbiana, mas também abre portas para aplicações práticas que podem moldar o futuro da biotecnologia e da pesquisa ambiental.
Vídeos
…
Referências
SANNINO, David R. et al. The exceptional form and function of the giant bacterium Ca. Epulopiscium viviparus revolves around its sodium motive force. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 120, n. 52, p. e2306160120, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 24 dez 2023.
Cite-nos
SANTOS, Fábio. Bactéria gigante, visível a olho nu, tem sistema metabólico único. Ciência Mundo, dez 2023. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.