No vasto oceano Índico, a noroeste de Madagascar, encontra-se o Atol de Aldabra, um paraíso natural marcado por uma lagoa rasa e ilhas pitorescas.
Entre as suas muitas maravilhas, uma figura notável tem despertado a curiosidade dos cientistas: o Aldabra rail (Dryolimnas cuvieri aldabranus), uma ave do tamanho de uma galinha que vive exclusivamente neste atol.
Atualmente, é a única ave não voadora viva no oceano Índico, graças à extinção causada pela ação humana de aves como o pássaro dodô (Raphus cucullatus).
O que torna este pássaro verdadeiramente único não é apenas o seu habitat isolado, mas sim a sua evolução intrigante.
A história do Aldabra rail remonta a milhares de anos, quando os seus ancestrais, os Aldabra rail de garganta branca (Dryolimnas cuvieri), habitavam Madagascar e as ilhas vizinhas, voando livremente pelos céus.
À medida que essas aves migraram para o Atol de Aldabra – um ambiente livre de grandes predadores – a necessidade de voar gradualmente desapareceu.
Ao longo de várias gerações, os Aldabra rails perderam a capacidade de voar, adaptando-se de vez ao seu novo ambiente terrestre.
No entanto, há cerca de 136.000 anos, um evento catastrófico fez o atol submergir, levando à extinção das espécies terrestres, incluindo a população de Aldabra rails que ali habitava.
O que torna esta história notável é o fato de que, após o ressurgimento gradual do atol, o Aldabra rail reapareceu novamente, retomando o nicho ecológico que havia ocupado anteriormente. Mas como?
Estudos recentes, conduzidos por biólogos da Universidade de Portsmouth, sugerem que a evolução do Aldabra rail ocorreu mais de uma vez (UHUME, 2019).
Ou seja, em duas ocasiões distintas, aves colonizadoras capazes de voar chegaram ao atol e deram origem a uma subespécie não voadora.
Esse fenômeno raro é conhecido como evolução iterativa, onde a seleção natural “reinicia” o processo evolutivo, a partir de um ancestral comum, em diferentes momentos da história.
Em Ile Picard, a ilha mais ocidental, escavações revelaram ossos fossilizados de Aldabra rail pré-históricos com mais de 136.000 anos.
A análise desses fósseis revelou que essas aves ancestrais, apesar de sua capacidade de voar, compartilhavam semelhanças surpreendentes com os Aldabra rail atuais, que são completamente incapazes de voar.
Contudo, um achado adicional em Grand Terre, outra ilha do atol, apresentou um osso do pé fossilizado de um Aldabra rail mais jovem, com cerca de 100.000 anos.
Este espécime se assemelha notavelmente aos ossos análogos nas aves não voadoras de Aldabra e no rail da Assunção, que foi extinto em 1937.
Essas evidências sugerem que, após um evento de submersão das ilhas, a população de Aldabra rail voltou a evoluir para uma forma não voadora.
A evolução iterativa é um conceito fascinante que desafia a ideia convencional de que a evolução ocorre apenas uma vez em uma linhagem.
Em vez disso, ela destaca a capacidade surpreendente da natureza de reiniciar e reformular trajetórias evolutivas.
O processo de evolução iterativa pode ser melhor compreendido ao observarmos outros exemplos na natureza.
A adaptabilidade das amonites, parentes de lulas e náutilos com conchas espirais, é um exemplo notável.
A evolução repetida de características específicas, como conchas mais finas ou mais espessas, ocorreu em diferentes momentos, permitindo a sobrevivência desses organismos em ambientes variados ao longo do tempo geológico.
Apesar da seleção natural ser incapaz de ressuscitar espécies extintas, ela pode moldar e criar diferentes iterações de características semelhantes em novas espécies similares.
Esse fenômeno destaca a incrível plasticidade e resiliência das formas de vida diante das mudanças ambientais.
Ao desvendar esses segredos do passado, continuamos a ampliar nossa compreensão da complexidade e da maravilha da evolução biológica.
Os Aldabra rail não são apenas residentes de um atol remoto; são testemunhas vivas de um processo evolutivo extraordinário.
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Referências
UHUME, Julian P.; MARTILL, David. Repeated evolution of flightlessness in Dryolimnas rails (Aves: Rallidae) after extinction and recolonization on Aldabra. Zoological Journal of the Linnean Society, v. 186, n. 3, p. 666-672, 2019. Disponível em: <link>. Acesso em: 5 fev 2024.
Cite-nos
SANTOS, Fábio. Aldabra rail: O pássaro “extinto”que ressurgiu evoluindo duas vezes. Ciência Mundo, fev 2024. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.