A descoberta de exoplanetas – planetas que orbitam estrelas fora do nosso Sistema Solar – já é um feito notável da astronomia, mas descobrir se esses exoplanetas têm suas próprias luas (ou exoluas) é algo ainda mais surpreendente e desafiador.
Recentemente, um debate acalorado surgiu na comunidade científica, centrado em duas descobertas controversas de exoluas, chamadas Kepler-1625b I e Kepler-1708b I.
Essas supostas exoluas, inicialmente celebradas como marcos na exploração cósmica, agora estão no centro de uma disputa entre duas equipes de pesquisadores, que discordam da interpretação dos dados.
Disputa entre equipes de pesquisa
Tudo começou em 2018, quando David Kipping, professor de astronomia na Universidade Columbia, e sua equipe anunciaram a descoberta da primeira exolua ao redor do exoplaneta Kepler-1625b (TEACHEY, 2018).
Essa conquista inicial, confirmada posteriormente pelo Telescópio Espacial Hubble, foi seguida em 2022 pela identificação de uma segunda exolua, na órbita de Kepler-1708 b, desta vez detectada exclusivamente pelo Telescópio Espacial Kepler.
Ambas as exoluas são diferentes de qualquer coisa encontrada no nosso Sistema Solar, sendo maiores que a Terra e semelhantes em escala a mini-Netunos.
No entanto, em 2023, uma equipe liderada por René Heller, do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar, contestou ambas as descobertas em um artigo publicado na Nature Astronomy (HELLER, 2023).
Heller e sua equipe reanalisaram os dados da equipe pró-exolua e levantaram dúvidas sobre a metodologia e a interpretação desses dados, lançando uma sombra de incerteza sobre a possível existência desses objetos orbitais.
Segundo Heller, um efeito chamado escurecimento visual da extremidade estelar – onde, do nosso ponto de vista, as bordas de uma estrela são mais escuras que o centro – explicaria melhor a suposta detecção de Kepler-1625 b I.
Agora, Kipping e sua equipe publicaram um artigo resposta na arXiv argumentando que houve erros na contra análise dos críticos (KIPPING, 2024).
Segundo Kipping, apesar das duas equipes terem utilizado os mesmos dados dos telescópios Hubble e Kepler, a escolha dos softwares e do modo de análise da equipe não-exolua podem ter contribuído para a perda na detecção das exoluas.
Kipping também rebateu o argumento a favor do efeito do escurecimento da extremidade estelar, dizendo que esses efeitos foram sim considerados no software de análise ao propor a existência de Kepler-1625 b I, não sendo um argumento válido contra a existência da exolua.
Quem está certo?
Heller afirma que o “artigo resposta” de Kipping não altera sua opinião sobre Kepler-1625 b I e Kepler-1708 b I, que, para ele, são apenas efeitos causados pelos exoplanetas ou pelas próprias estrelas hospedeiras, em vez de exoluas.
Contudo, ambas as equipes concordam que a busca por exoluas é uma tarefa desafiadora, que estende os limites da capacidade dos telescópios e dos softwares.
Apesar da divergência, para Kipping, esta discussão entre as equipes oferece uma oportunidade para aprimorar os métodos de detecção de exoluas.
Ele espera que, com as observações do Telescópio Espacial James Webb, possamos identificar exoluas mais próximas às luas familiares do nosso sistema solar, como Io e Europa, construindo confiança na busca por esses corpos celestes intrigantes.
Independentemente do desfecho, a controvérsia destaca a complexidade e os desafios enfrentados pelos astrônomos na busca por exoluas.
Enquanto a comunidade científica continua a aprimorar suas técnicas e tecnologias, o mistério das exoluas permanece, oferecendo aos cientistas a oportunidade de avançar e desvendar os segredos cósmicos que aguardam além do nosso sistema solar.
Como exoplanetas e exoluas são detectados?
A detecção de objetos na órbita de estrelas distantes é uma tarefa complexa que só pode ser realizada através da análise das curvas de luz da estrela hospedeira.
O método mais comum envolve o uso do método de trânsito, que mede a diminuição da luz de uma estrela quando um planeta passa na frente dela.
Quando uma exolua está presente, ela também causa uma diminuição adicional na luz durante o trânsito do exoplaneta.
No entanto, as curvas de luz das exoluas são bem mais fracas do que as dos exoplanetas, exigindo uma análise detalhada e métodos específicos para distinguir esses sinais sutis.
A distância extrema desses objetos, além de possíveis ruídos nos dados, pode obscurecer ou criar falsos sinais.
A análise envolve escolhas cuidadosas de métodos, modelos e algoritmos, e diferentes pesquisadores podem chegar a conclusões diferentes, tornando o processo desafiador e sujeito a controvérsias.
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Referências
HELLER, René; HIPPKE, Michael. Large exomoons unlikely around Kepler-1625 b and Kepler-1708 b. Nature Astronomy, p. 1-14, 2023. Disponível em: <link>. Acesso em: 31 jan 2024.
KIPPING, David et al. A Reply to: Large Exomoons unlikely around Kepler-1625 b and Kepler-1708 b. arXiv preprint arXiv:2401.10333, 2024 Disponível em: <link>. Acesso em: 31 jan 2024.
TEACHEY, Alex; KIPPING, David M. Evidence for a large exomoon orbiting Kepler-1625b. Science Advances, v. 4, n. 10, p. eaav1784, 2018. Disponível em: <link>. Acesso em: 31 jan 2024.
Cite-nos
SANTOS, Fábio. Afinal, as primeiras exoluas foram descobertas ou não?. Ciência Mundo, jan 2024. Disponível em: . Acesso em: 05 maio 2024.