Enviar pessoas para distâncias além da Lua requer o domínio de tecnologias de manutenção da vida, que ainda estamos começando a desenvolver. Apesar das pesquisas recentes nas áreas de saúde, psicologia e logística de alimentos estarem apresentado resultados promissores, viagens realmente longas em direção ao espaço profundo ainda são um desafio para a humanidade.
Na ficção, uma solução normalmente explorada é colocar o viajante do espaço para “dormir” durante sua jornada. O objetivo desse procedimento é diminuir o metabolismo do corpo e preservar a mente do “tédio que seria” aguardar por um longo período.
O que torna esta proposta atraente é o fato dela parecer estar mais ao nosso alcance, do que soluções utópicas como “viajar mais rápido que a luz” ou “criar buracos de minhoca”. Por ser considerada uma tecnologia mais “pé no chão”, organizações sérias como a Agência Espacial Europeia analisam, cientificamente, a possibilidade de se implementar esta solução.
Contudo, em um trabalho recente, o Dr. Roberto F. Nespolo — da Pontifícia Universidade Católica do Chile — e amigos mostram que, devido a um obstáculo matemático, a hibernação humana de longo prazo talvez jamais seja implementada.
Os pesquisadores explicam que as células necessitam de um nível mínimo de metabolismo para sobreviverem em condições frias e de baixo oxigênio. No entanto, eles descobriram que animais pesados, como os ursos, gastam muito mais energia que animais pequenos para manter o estado de hibernação. Isso acontece porque os animais pesados continuam com seu metabolismo ativo durante o processo, fazendo com que essa economia de energia seja pouco eficiente.
Segundo os cientistas, para um astronauta, cochilar ou relaxar “a moda antiga” durante uma viagem espacial talvez seja mais vantajoso do que hibernar.
Hibernação animal e humana
Nespolo explica que a palavra hibernação muitas vezes nos lembra a imagem de um urso escondido em uma toca para um longo descanso de inverno. No entanto, ele afirma que embora os ursos se isolem por vários meses longos e frios, seu sono não é como a verdadeira hibernação de criaturas menores, como esquilos e morcegos.
Quando um animal pequeno hiberna sua temperatura corporal despenca, seu metabolismo diminui e sua frequência cardíaca e respiração ficam lentas. Isso diminui drasticamente o gasto de energia em até 98%, dispensando a necessidade de caçar ou pastar por vários meses.
Mesmo hibernando, esses pequenos animais podem perder mais de um quarto do peso corporal ao queimarem suas reservas de energia para manter suas funções vitais durante o sono.
Se um humano adulto fosse capaz de hibernar com a mesma eficiência que um animal pequeno, aplicando a mesma relação matemática, uma ingestão diária de alimentos de cerca de 12.000 quilojoules seria substituída pela necessidade de apenas algumas centenas de quilojoules de gordura corporal.
Neste cenário, um viajante do espaço em estado de hibernação perderia pouco mais de seis gramas de gordura por dia, que ao longo de um ano somariam dois quilos de peso. Isso parece bom se considerarmos viagens curtas, mas para sobreviver décadas hibernando no espaço até uma estrela próxima, por exemplo, o viajante precisaria acumular centenas de quilos de gordura, ou acordar eventualmente para tomar um “milk-shake de banha de porco”, duas situações absurdas.
Além disso, os autores do atual trabalho afirmam que a hibernação humana pode ser ainda mais complexa já que animais grandes não hibernam com a mesma eficiência que pequenos.
Análise dos dados
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores fizeram uma revisão bibliográfica para coletar dados de uma variedade de espécies hibernantes e realizaram uma meta-análise estatística.
Na análise, eles concluíram que, durante a hibernação de animais pequenos, o consumo diário de energia por grama é o mesmo entre as espécies, de modo que um grama de tecido de um pequeno mamífero, como um morcego de 25 gramas, consome tanta energia quanto um grama de tecido de um esquilo terrestre de 820 gramas.
Observando esses dados, é tentador concluir que um humano em hibernação consumiria energia de forma tão eficiente quanto esquilos e morcegos, onde cada grama do nosso tecido exigiria a mesma energia que cada grama deles.
Contudo, à medida que a massa das espécies aumenta, as hibernações se tornam mais ativas, o que aumenta o consumo de energia. Isso significa que ao considerarmos mamíferos grandes, com sonos não muito profundos, a história é outra.
A escala da relação entre metabolismo ativo e massa produz um gráfico ligeiramente diferente que revela um ponto em que a hibernação não economiza muita energia para animais maiores.
Esse ponto está perto da massa corporal humana média, o que implica que nossas necessidades totais de energia durante uma hibernação não seriam significativamente diferentes de quando estivéssemos em repouso.
Para Nespolo, os resultados de seu trabalho mostram que uma proposta de hibernação humana no espaço, onde teríamos que correr todos os riscos e problemas relacionados ao resfriamento do corpo, diminuição da frequência cardíaca e respiração, além de restringir artificialmente nosso metabolismo, pode não dar os resultados esperados.
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Referências
NESPOLO F. et al. Why bears hibernate? Redefining the scaling energetics of hibernation. The Royal Society, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 30 abr. 2022.
Notícias
Here’s Why Hibernation in Space May Not Be Possible For Humans After All. Science Alert, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 30 abr. 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Porque a hibernação humana no espaço não é uma boa ideia? Ciência Mundo, Rio de Janeiro, abr. 2022. Disponível em: . Acesso em: .