Antes dos recipientes de vidro e plástico se tornarem populares, produtos químicos e especiarias eram armazenados em pequenas porções em vasos cerâmicos esfero-cônicos, um tipo de vasilhame rústico, descrito em vários contextos arqueológicos, principalmente no Oriente Médio e no sudoeste da Ásia.
Esses vasos normalmente possuíam pescoço curto, abertura estreita, base cônica, corpo esferoidal e podiam chegar a 20 cm de diâmetro. A posição diagonal de sua boca facilitava o acesso ao seu conteúdo, enquanto as escamas externas evitavam sua rolagem.
As diversas técnicas de fabricação e contorno sugerem que esses vasilhames foram utilizados para uma ampla gama de funções e conteúdos. Eles apresentam vários estilos de decoração, desde padrões geométricos simples a imagens complexas (algumas zoomórficas), mas alguns são completamente lisos. As inscrições normalmente fazem alusão ao conteúdo, proprietário ou função, como beber água ou cerveja.
O principal interesse dos arqueólogos em analisar os resíduos de conteúdo desses recipientes está em aprimorar nossa compreensão sobre o armazenamento, trânsito e comércio de medicamentos, cosméticos e tecnologias que existiam no Oriente Médio medieval.
Pesquisas anteriores já analisaram resíduos de conteúdo desses vasos esfero-cônicos, tomados emprestado de museus colaboradores, e comprovaram que eles eram realmente usados para uma variedade de propósitos, incluindo consumir bebidas e acondicionar mercúrio, óleos e medicamentos.
Em um desses trabalhos, realizado recentemente pelo professor Carney Matheson — da Universidade de Griffith, na Austrália — e sua equipe, resíduos internos de quatro fragmentos cerâmicos, encontrados nos Jardins Armênios, em Jerusalém, foram analisados para identificação de seu conteúdo original, sendo que um deles revelou algo surpreendente (CARNEY, 2022).
Os cacos, datados entre os séculos XI e XII, derivam de quatro pequenos vasos esfero-cônicos com paredes grossas, recuperados de uma área de demolição. Os resíduos foram analisados através de microscopia de luz, caracterização bioquímica, espectroscopia de massa por cromatografia gasosa, espectroscopia de emissão atômica de plasma acoplado indutivamente e espectrometria de fluorescência atômica de vapor frio.
Os pesquisadores identificaram a presença de vários compostos, incluindo ácidos graxos, níveis notáveis de mercúrio, enxofre, alumínio, potássio, magnésio, nitratos e fósforo. Os conteúdos e as prováveis funções dos quatro vasos foram identificados como distintos, segundo os resíduos nos cacos, as diferentes decoração, os métodos de fabricação e as tipologias cerâmicas.
O primeiro recipiente analisado contém resíduos que indicam a presença de óleos. O segundo recipiente apresenta resíduos consistentes com algum produto perfumado ou conteúdo medicinal. O terceiro vaso guardava, provavelmente, um produto medicinal conhecido da época.
Já o quarto e último vaso possui paredes muito grossas, não dispõe de decorações, e possivelmente foi usado para armazenar produtos químicos ou ingredientes para um artefato explosivo, ou ele próprio era uma granada medieval.
Segundo o professor Matheson, apesar de a análise de resíduos da maioria dos vasos estar consistente com as pesquisas anteriores, algo novo foi descoberto neste último vaso. Se for confirmado que este recipiente continha um material explosivo, esta será uma evidência para a controversa lenda das granadas medievais, supostamente desenvolvidas por povos locais e utilizadas contra os cruzados nessa época.
Matheson explica que essas granadas primitivas são relatadas em várias passagens do tempo das Cruzadas como artefatos que, quando lançados contra as fortalezas dos cruzados, produziam estrondos e flashes de luz. Alguns relatos dessa época chegaram a atribuir esses efeitos audiovisuais a “poderes mágicos” invocados por guerreiros locais.
Algumas pesquisas defendem que esses “vasos bélicos” contivessem pólvora negra, um explosivo inventado na China antiga, mas introduzido no Oriente Médio e na Europa no século XIII. Esta hipótese defende que a pólvora negra pode ter chegado ao Oriente Médio mais cedo, provavelmente entre os séculos IX e XI.
Contudo, Matheson e sua equipe descartaram esta hipótese, pois o resíduo de conteúdo encontrado na granada medieval não era pólvora negra, mas alguma mistura explosiva desenvolvida no local na época (veja os detalhes no artigo científico).
Matheson, que ficou empolgado com este achado inesperado, afirma que “precisamos de mais pesquisas sobre esses vasos esfero-cônicos e seu conteúdo explosivo para entender essa antiga tecnologia explosiva do período medieval e assim enriquecer a história das armas no Mediterrâneo Oriental”.
Referências
CARNEY, M. et al, Composition of trace residues from the contents of 11th–12th century sphero-conical vessels from Jerusalem, PLOS ONE, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 28 abr. 2022.
Notícias
Ancient hand grenades: Explosive weapons in medieval Jerusalem during Crusades. Phys.org, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 28 abr. 2022.
Medieval Hand Grenades Found In Jerusalem Were Likely Used In Crusades. IFL Science, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 28 abr. 2022.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Granadas medievais da época das Cruzadas descobertas em Jerusalém. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, abr. 2022. Disponível em: . Acesso em: .