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Talvez tenhamos finalmente descoberto por que as nuvens são diferentes entre os hemisférios

Pesquisadores instalaram radares em regiões-chave do planeta para investigar por que as nuvens são diferentes, dependendo do lugar.

Talvez tenhamos finalmente descoberto por que as nuvens são diferentes entre os hemisférios -

Imagem: Bessi disponível em Pixabay.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as nuvens não são iguais em toda a Terra. As nuvens do Hemisfério Sul são mais abundantes e reflexivas do que as nuvens do Hemisfério Norte. Os meteorologistas já estão familiarizados com esse fato, mas até agora nenhuma teoria foi capaz de explicar o fenômeno com precisão.

Em um trabalho recente, realizado por uma equipe internacional de pesquisadores da Alemanha, Chile e Chipre, foram coletados dados de três regiões-chave do planeta, que forneceram uma visão mais profunda da formação das nuvens nessas regiões (RADENZ, 2022).

Parque Nacional Torres del Paine, Punta Arenas, Chile.
Imagem: Douglas Scortegagna Flickr.

O estudo de longo de prazo utilizou dados coletados de três anos do sistema LIDAR (Light Detection And Ranging) e de radares, entre 2018 e 2021, cobrindo as áreas de Leipzig na Alemanha, Limassol no Chipre e Punta Arenas no Chile. O trabalho faz parte do projeto DACAPO-PESO (Dynamics, Aerosol, Cloud and Precipitation Observations in Pristine Environment of the Southern Ocean) que tem o objetivo de estudar a influência do aerossol na formação do gelo nas nuvens em várias regiões do mundo.

Foto obtida a partir do Monumento da Batalha das Nações, em Leipzig, Alemanha.
Imagem: Völkerschlachtdenkmal em Flickr.

Ao analisar os dados dos dispositivos de monitoramento, os pesquisadores concluíram que as nuvens em Punta Arenas são mais densas e brilhantes porque o ar da região é mais limpo. Isso acontece porque a maior parte da superfície daquele local é oceânica e não terrestre.

Com uma área terrestre menor, temos menos cidades e, consequentemente, menor emissão de partículas de aerossol, tornando as nuvens mais brilhantes. Este resultado reforça a teoria de que as nuvens no Hemisfério Sul são mais intensas porque a superfície oceânica nesse lado do planeta é maior.

Limassol no Chipre.
Imagem: Leonid Mamchenkov em Flickr.

Segundo o coautor do trabalho Patric Seifert – meteorologista do Instituto Leibniz de Pesquisa Troposférica – o aerossol faz as gotas nas nuvens congelarem com mais facilidade, tornando-as mais escuras e menos brilhantes. Podemos observar esse efeito nas nuvens que congelam menos nas latitudes médias do Hemisfério Sul e contêm mais água líquida nas mesmas temperaturas. A diferença visual das nuvens ocorre devido à influência na incidência de luz solar e também na radiação térmica emitida da superfície da Terra, de um jeito diferente no norte e no sul.

O estudo descobriu ainda que as diferenças são mais notórias na troposfera livre, onde o ar está em altitudes elevadas, sendo menos afetado pela poluição local. Para temperaturas entre -24°C e -8°C, as nuvens sobre Punta Arenas formaram gelo com 10 a 40% menos frequência do que as nuvens sobre Leipzig.

Características das nuvens nas três regiões estudadas. Leipzig tem uma taxa alta de formação de gelo nas nuvens, em temperaturas acima de -10 °C. Limassol tem pouca formação de nuvens. Punta Arenas possui nuvens com características mais naturais.
Imagem: RADENZ, 2022.

Além dessas evidências, que reforçam pesquisas anteriores, a equipe descobriu também algo novo. As chamadas ondas de gravidade atmosférica – elevações de ar criadas quando os ventos do oeste do Pacífico colidem com os Andes – influenciam na formação das nuvens, tanto quanto a poluição atmosférica, especialmente quando o ar está mais frio.

Ondas de Gravidade Atmosférica se formando na costa do Peru e indo para o Chile.
Imagem: NASA em Wikimedia Commons.

Segundo o autor principal do trabalho Martin Radenz – meteorologista do Instituto Leibniz de Pesquisa Troposférica – ao medir os ventos ascendentes e descendentes dentro das nuvens, conseguimos detectar nuvens que foram influenciadas por essas ondas e filtrá-las das estatísticas gerais. Com isso conseguimos mostrar que são essas ondas de gravidade atmosférica, e não a falta de núcleos de gelo, as principais responsáveis pelo excesso de gotículas nas nuvens com temperaturas abaixo de –25°C.

Uma pergunta que não pôde ser respondida é se essas ondas de gravidade influenciam apenas as nuvens da costa ou também têm impacto sobre as nuvens do oceano aberto. Para solucionar esse enigma, trabalhos futuros deverão considerar a instalação de dispositivos de monitoramento no oceano.

Apesar dessas descobertas serem muito interessantes, os pesquisadores alertam que modelos climáticos globais não são tão precisos quando se trata de criar generalizações.

Para ter utilidade real, modelos climáticos complexos como este precisam levar em consideração diferenças regionais, como as áreas urbanas de Leipzig, as áreas livres com ar mais limpo de Punta Arenas e as áreas mistas com poluição e partículas de poeira do deserto como Limassol.

Um detalhe interessante deste trabalho é que parte da descoberta ocorreu por acaso. Isso porque, em virtude das restrições de viagem impostas pela pandemia de COVID-19, os sistemas de monitoramento instalados em 2018 tiveram que ser mantidos por mais dois anos, o que permitiu aos pesquisadores considerar influências extras, como a fumaça dos incêndios florestais na Austrália, entre 2019 e 2020.

Segundo o coautor Boris Barja – cientista atmosférico da Universidade de Magalhães, no Chile – com os dados produzidos neste trabalho foi possível desvendar alguns mistérios sobre as formas “atípicas” das nuvens no Hemisfério Sul. Ele espera que esses dados também possam melhorar os modelos climáticos atuais para previsão do tempo.

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Referências

RADENZ, Martin et al. Hemispheric contrasts in ice formation in stratiform mixed-phase clouds: Disentangling the role of aerosol and dynamics with ground-based remote sensing. Atmospheric Chemistry and Physics Discussions, p. 1-34, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 29 set. 2022.

Notícias

We May Finally Understand Why Clouds Are Different Between Earth’s Hemispheres. Science Alert, 2022. Disponível em: <link>. Acesso em: 31 jan. 2022.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Talvez tenhamos finalmente descoberto por que as nuvens são diferentes entre os hemisférios. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, jan. 2022. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.