Lagostas, polvos e caranguejos são apreciados em diversos pratos da culinária brasileira e mundial. Eles são conhecidos popularmente como frutos-do-mar, pois são “colhidos” nas águas dos mares e rios. O seu sucesso culinário, no entanto, sempre foi criticado por biólogos e filósofos em virtude das práticas cruéis de abate, adotadas como padrão nas cozinhas do mundo. O principal argumento para a falta de empatia com esses animais está na crença de que eles não seriam sencientes, ou seja, eles não estariam sentindo nada.
Com o objetivo de confirmar (ou não) a senciência nesses seres, o professor Jonathan Birch – da Escola de Economia e Ciências Políticas de Londres – realizou uma revisão bibliográfica onde foram avaliados mais de 300 estudos analisando questões neurológicas e comportamentais nesses invertebrados (BIRCH, 2021). Foram considerados aspectos como, a presença de receptores de dor, a capacidade de aprender e a resposta a analgésicos. Como resultado, o trabalho produziu um relatório onde ficou comprovado que esses animais “tendem a consciência” e “sentem angústia e dor”.
Nas conclusões finais do seu relatório de revisão, Birch, se mostra preocupado com as práticas angustiantes de abate comercial de lagostas e caranguejos, que incluem a fervura de animais ainda vivos, asfixia e a amputação lenta de membros. Além disso, considera os métodos tradicionais de abate de polvos e outros cefalópodes – que inclui bater nos animais e cortar seus cérebros – inaceitáveis, apesar de não sugerir um método mais humano e comercialmente viável.
O relatório sensibilizou o governo britânico que já estava trabalhando na reforma de suas leis de bem-estar animal, porém considerando apenas vertebrados (ANIMALS, 2021). Após a publicação da revisão científica de Birch, serão agora acrescentados os cefalópodes (incluindo lulas e polvos) e decápodes (como lagostas, caranguejos e camarões) à lista de espécies de um projeto de lei que pretende reconhecer, formalmente, a capacidade de alguns animais de experimentar sentimentos como a dor (LOBSTERS, 2021). Logo, este projeto de lei garantirá que a senciência dos animais seja considerada ao se elaborar políticas públicas no Reino Unido. Filósofos e entidades preocupadas com o bem-estar animal esperam que estas políticas públicas sirvam de base para mudanças na forma como esses animais são tratados e abatidos
As alterações no projeto de lei britânico não terão consequências imediatas para restaurantes e empresas de pesca. Contudo, para Birch , a inclusão desses animais na lista de sencientes ajudará em futuras interpretações jurídicas e filosóficas, pois, quando consideramos um ser como senciente, todos os princípios aceitos e respeitados para outros seres sencientes também devem ser aplicados. Logo, o abate desses seres para consumo necessita de treinamento para se evitar métodos crués e tortura, assim como se é exigido para o abate de vertebrados.
Birch, ficou muito contente com o alcance da sua revisão bibliográfica, mas acha que serão necessários mais estudos que amparem as políticas públicas. São necessários, por exemplo, estudos sobre os possíveis métodos de abate humanizado desses animais para evitar que os métodos tradicionais, a séculos adotados no consumo familiar, sejam empregados no abate comercial de larga escala. As pessoas não deixarão de consumir esses animais, e, dessa forma, de nada adiantará a proibição dos métodos incorretos, se um método correto não for ensinado.
Uma curiosidade sobre esse trabalho é que o seu objetivo inicial era investigar uma ampla variedade de sentimentos nos animais, como alegria, prazer e sensação de conforto. No entanto, os autores resolveram enfatizar os sentimentos de dor e sofrimento desses seres, pois são tópicos mais relevantes para as leis de bem-estar animal.
A revisão bibliográfica realizada por Birch faz parte de um projeto maior chamado Foundations of Animal Sentience. Este é um projeto multidisciplinar que tem o objetivo de debater assuntos relacionados à senciência animal. Ele é formado por uma comunidade internacional de pesquisadores de áreas como neurociências, psicologia, biologia evolucionária, ciências do bem-estar animal e filosofia. Os membros do projeto esperam que após o pioneirismo do Reino Unido, outros países também reconheçam a senciência desses seres vivos.
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Referências
ANIMALS to be formally recognised as sentient beings in domestic law. Department for Environment, Food & Rural Affairs and The Rt Hon Lord Goldsmith, United Kingdom, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 24 nov. 2021.
BIRCH, Jonathan et al. Review of the Evidence of Sentience in Cephalopod Molluscs and Decapod Crustaceans. London School of Economics and Political Science, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 23 nov. 2021.
LOBSTERS, octopus and crabs recognised as sentient beings. Department for Environment, Food & Rural Affairs and The Rt Hon Lord Goldsmith, United Kingdom, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 24 nov. 2021.
Notícias
Can lobsters and octopuses feel pain? Scientists say yes, and the U.K. is listening. NBC News, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 23 nov. 2021.
Octopuses, crabs and lobsters to be recognised as sentient beings under UK law following LSE report findings. LSE, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 23 nov. 2021.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Lagostas, polvos e caranguejos sentem dor, defende projeto de lei no Reino Unido. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .