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Estudo sugere que esquecer coisas é comum em pessoas inteligentes

O cérebro precisa não apenas lembrar, mas também esquecer para evitar que as memórias obsoletas não entrem em conflito com as novas.

Estudo sugere que esquecer coisas é comum em pessoas inteligentes -

Imagem: Disponível em Pixabay.

O cérebro humano é considerado por muitos estudiosos como a máquina mais complexa do universo. Uma das funções mais misteriosas dessa máquina é a memória, que é a capacidade de adquirir, armazenar e recuperar informação. Em Neurobiologia, os estudos da memória normalmente se concentram em investigar os mecanismos biológicos do cérebro envolvidos no ato de lembrar coisas.

Contudo, de acordo com um trabalho realizado pelos professores Blake Richards e Paul Frankland – da Universidade de Toronto, Canadá – para o bom funcionamento da memória, esquecer é tão importante quanto lembrar (RICHARDS, 2017).

Segundo Richards, a memória é um recurso essencial para o processo cognitivo. No entanto, para ela funcionar corretamente é importante que o cérebro esqueça dos detalhes irrelevantes dos fatos vivenciados no dia a dia. Isso ajuda a ter melhor foco nos problemas que realmente interessam, possibilitando tomadas de decisão corretas no mundo real.

Para Richards, os estudos em Neurobiologia sobre a memória têm dado muita atenção aos mecanismos celulares relacionados à persistência, que é a capacidade de manter a informação guardada. No entanto, pouca atenção tem sido dada aos mecanismos da transitoriedade, relacionados ao esquecimento da informação. Isso acontece porque a literatura da área normalmente trata os problemas de memória como uma disfunção que ocorre apenas nos mecanismos de armazenamento e recuperação da memória, mas não nos mecanismos do esquecimento.

Segundo o professor Paul Frankland, existem várias evidências em estudos recentes de que os mecanismos biológicos do cérebro que promovem o esquecimento são completamente distintos daqueles responsáveis pelo armazenamento e recuperação das memórias. Em um desses estudos, realizado pelo próprio professor Frankland, foi demonstrado que o surgimento de novos neurônios no hipocampo pode promover o esquecimento (FRANKLAND, 2013). Essa foi uma descoberta interessante, pois essa área do cérebro produz mais células nos primeiros anos de vida das crianças. Logo, o trabalho evidencia o importante papel do esquecimento na aprendizagem dos mais jovens, além de explicar o motivo dos adultos não se lembrarem de fatos anteriores aos quatro anos de idade.

Mas, por que estaria o nosso cérebro disposto a gastar energia, tanto para armazenar memórias, quanto para esquecer? Frankland explica que isso é necessário por dois motivos principais. Inicialmente, por estarmos em um mundo que muda constantemente, memórias antigas, não revisadas, se tornam ultrapassadas, pois não são mais importantes. O professor usa como exemplo, um viajante hipotético, visitando diversos países do mundo. Se o cérebro dele fosse obrigado a armazenar cada fato em cada local visitado, sua mente ficaria rapidamente sobrecarregada de informações conflitantes, que seriam difíceis de ser recuperadas.

O segundo motivo é melhor explicado através de uma estratégia da inteligência artificial conhecida como regularização. Essa estratégia se baseia na descoberta de padrões em bases de dados capazes de generalizar conceitos ocultos e não os dados em si. Fazendo uma analogia com o cérebro humano, essas generalizações são como os modelos do mundo que guardamos na mente como informações importantes para as tomadas de decisão futuras. Através da regularização o cérebro pode descartar o grande volume de dados adquirido no cotidiano, mantendo na memória apenas os padrões.

O estudo acabou criando especulações na mídia digital a respeito da relação entre memória e inteligência. Seriam as pessoas mais inteligentes também as mais esquecidas? Estaria o cérebro dos mais inteligentes melhor adaptado a guardar padrões do mundo, em prejuízo das memórias cotidianas? Para Richard e Frankland é necessário cautela com essas afirmações. O objetivo deste estudo é apenas mostrar que a inteligência é uma competência muito mais relacionada à habilidade de descobrir padrões do que a capacidade de se memorizar absolutamente tudo.

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Vídeos

Pessoas esquecidas são mais inteligentes, diz pesquisa
Reportagem do programa “Domingo Espetacular” da TV Record, sobre o trabalho de Richards e Frankland.
Vídeo: Canal “Domingo Espetacular” em Youtube.

Referências

FRANKLAND, Paul W.; KÖHLER, Stefan; JOSSELYN, Sheena A. Hippocampal neurogenesis and forgetting. Trends in neurosciences, v. 36, n. 9, p. 497-503, 2013. Disponível em: <link>. Acesso em: 29 set. 2021.

RICHARDS, Blake A.; FRANKLAND, Paul W. The persistence and transience of memory. Neuron, v. 94, n. 6, p. 1071-1084, 2017. Disponível em: <link>. Acesso em: 29 set. 2021.

Notícias

Why forgetting is really important for memory: U of T research. University of Toronto News, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 ago. 2021.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Estudo sugere que esquecer coisas é comum em pessoas inteligentes. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, nov. 2021. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.