Uma dessas aves é o beija-flor-azul-de-rabo-branco (Florisuga mellivora) cujo macho tem cabeça e pescoço azul-cintilante, com peito e rabo brancos, enquanto as fêmeas possuem um tom desbotado, com cabeça e costas verde-oliva. Contudo, um fenômeno que tem intrigado os biólogos é o fato de algumas fêmeas dessa espécie estarem desenvolvendo uma plumagem colorida, semelhante a dos machos.
Para tentar descobrir porque algumas fêmeas dessa espécie de beija-flor estão desenvolvendo plumagem colorida, o biólogo evolucionista Jay Falk – da Universidade de Washington em Seattle – com sua equipe, capturaram 436 pássaros em Gamboa, no Panamá, para serem avaliados. Os animais tiveram os seus sexos determinados geneticamente, receberam o implante de um micro localizador degradável e foram soltos logo em seguida (FALK, 2021).
Segundo Falk, um dos objetivos deste estudo é tentar descobrir qual a função desse fenômeno evolutivo, já que essa plumagem colorida cintilante é uma espécie de orientação sexual que faz sentido apenas para os machos. Como as fêmeas normalmente criam os filhotes sozinhas, exibir cores vibrantes nas penas pode oferecer riscos, pois um pássaro colorido em um ninho de palha é fácil de ser localizado. Logo, a plumagem verde-oliva desbotada, padrão na maioria das fêmeas, é essencial não só para a escolha dos parceiros, mas também para o sucesso da espécie. Evoluir para o oposto do que se esperava, parece dar alguma vantagem que queremos descobrir com esse trabalho.
O relatório da análise dos beija-flores recolhidos mostrou que a maioria das fêmeas tinha cabeça e costas verde-oliva com pescoço manchado, como já era esperado. Contudo, aproximadamente 30% delas tinham cabeça azul-cintilante, comum aos pássaros mais jovens de ambos os sexos e aos machos adultos.
Ao prestar atenção nos beija-flores mais novos, a equipe então começou a entender o que estava acontecendo. Esses beija-flores desenvolvem plumagem colorida e brilhante na adolescência, quando ainda não estão em busca de parceiros. Isso evita o assédio dos machos adultos que identificam todos os jovens como sendo outros machos. Na fase adulta, enquanto os machos permanecem com a plumagem exótica, a maioria das fêmeas perde suas penas coloridas e adota um verde-oliva “sem graça”. Ao observar isso, a equipe começou a teorizar que as fêmeas que continuam com penas cintilantes parecem querer continuar “invisíveis” aos olhos da maioria dos machos. Desta forma, elas conseguem se misturar aos machos verdadeiros, podendo se alimentar corretamente, sem se preocupar com o assédio.
Para verificar essa hipótese, Falk e sua equipe instalaram um par de alimentadores colocando em um deles, um boneco de beija-flor taxidermizado (empalhado). Foram testados três bonecos com aparências distintas, sendo um macho padrão, uma fêmea verde-oliva, e uma fêmea de cabeça azul-cintilante. A equipe então colocou um boneco por vez, comparando como os pássaros vivos reagiam.
Como resultado, os visitantes machos que foram ao alimentador tentaram se acasalar com mais frequência com os bonecos das fêmeas de cor verde-oliva do que com os outros dois bonecos. Os beija-flores machos também se mostraram bastante exibicionistas. Nos alimentadores, as fêmeas de cor verde-oliva eram mais assediadas quando, no alimentador ao lado, havia um boneco de um macho ou de uma fêmea de cabeça azul-cintilante.
A equipe também registrou a rotina dos beija-flores através dos micro rastreadores implantados na captura. Foi observado que as fêmeas de cabeça azul-cintilante faziam mais visitas aos alimentadores, ficando lá por mais tempo do que as fêmeas verde-oliva. Além disso, elas também escolhiam sempre o alimentador com néctar mais açucarado, pois pareciam estar mais despreocupadas.
Ao avaliar os resultados do experimento, Falk concluiu que a mudança na plumagem de algumas fêmeas era uma vantagem evolutiva que surgiu para corrigir um problema social. Ele explica que, além de competir por parceiros, os animais também disputam território, atenção dos pais, posição social e comida. Logo, as cores dos animais evoluem não apenas para a orientação sexual no acasalamento, mas também para facilitar suas vidas no meio ambiente. O assédio violento e agressivo dos machos pode ter promovido essa solução inteligente de mutação nas fêmeas dessa espécie.
Segundo o biólogo Ola Fincke – da Universidade de Oklahoma em Norman, mas que não fez parte desse trabalho – o beija-flor possui o metabolismo mais rápido dos vertebrados na Terra, e por isso precisa estar sempre se alimentando. Poder voar sem ser percebida e poder comer em paz, com mais frequência provavelmente torna as fêmeas de cabeça azul-cintilante mais saudáveis do que as fêmeas verde-oliva. Contudo, ele alerta que este novo estudo contempla apenas beija-flores em alimentadores, não ficando claro se o mesmo comportamento se aplica à coleta de néctar em flores na natureza.
Já para a bióloga Sara Lipshutz – da Universidade de Loyola em Chicago, que não está envolvida no trabalho – apesar do estudo não deixar claro quais mecanismos são responsáveis por essa coloração das penas – sejam eles genéticos, hormônicos etc – este é um claro exemplo de característica evolutiva na natureza que auxilia as fêmeas a evitar o assédio excessivo dos machos. O diferencial desse estudo está em focar no bem-estar das fêmeas na natureza, assunto que, normalmente, não atrai tanta atenção em pesquisas.
Para finalizar, Falk afirma que esses achados mostram que a ornamentação das aves pode ser promovida por razões bem mais complexas do que se imaginava. Alguns fatores relacionados ao bem-estar social desses animais podem estar sendo considerados pelo processo evolutivo, além da orientação sexual.
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Referências
FALK, Jay J.; WEBSTER, Michael S.; RUBENSTEIN, Dustin R. Male-like ornamentation in female hummingbirds results from social harassment rather than sexual selection. Current Biology, v. 31, n. 19, p. 4381-4387. e6, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 12 nov. 2021.
Notícias
Female hummingbirds may sport flashy feathers to avoid being harassed. Science News, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 12 nov. 2021.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel.Beija-flores fêmeas mudam a cor de suas penas para evitar assédios. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .