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Identificado o primeiro candidato a exoplaneta fora da Via Láctea

Exoplanetas são planetas que existem fora do nosso Sistema Solar. Até 21 de setembro de 2021, haviam 4821 exoplanetas catalogados, em 3578 sistemas, todos na Via Láctea. Identificar exoplanetas fora de nossa galáxia é uma tarefa extremamente difícil, pois, devido às grandes distâncias, as luzes de estrelas próximas se misturam, impossibilitando o uso de técnicas já consagradas como, por exemplo, a fotometria de trânsito planetário (LENCHUK, 2021).

Identificado o primeiro candidato a exoplaneta fora da Via Láctea -

Imagem:  pxfuel.

Apesar das dificuldades, em outubro de 2021, a astrônoma Rosanne Di Stefano – do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, Estados Unidos – publicou um trabalho onde foi anunciada a identificação de um possível exoplaneta extragaláctico. Este objeto, que está sendo chamado de M51-ULS-1b, orbita tanto uma estrela massiva quanto uma estrela morta na galáxia de Whirlpool (ou Rodamoinho), a 28 milhões de anos luz da Terra. Se confirmado, esse objeto será o primeiro desse tipo a comprovar a teoria, já amplamente aceita, de que a maioria das estrelas do universo possui planetas em sua órbita (DI STEFANO, 2021).

Concepção artística do que seria o céu de uma lua rochosa de M51-ULS-1b.
Imagem: Adaptação do trabalho Maxwell Hade milton em Flickr.

Di Stefano afirma que exoplanetas, fora da Via Láctea, não são exatamente uma novidade e sempre foram uma previsão óbvia para os astrônomos. Afinal, com tantos exoplanetas já identificados na Via Láctea, não faz sentido pensar que a nossa galáxia é a única que abriga planetas no universo. Contudo, temos que ser humildes e admitir que identificar um exoplaneta extragaláctico de verdade é algo fascinante.

Esse trabalho se iniciou em 2018, quando Di Stefano e a astrofísica Nia Imara – da Universidade da Califórnia – sugeriram que exoplanetas extragalácticos poderiam ser encontrados ao redor de sistemas binários de raio-X (IMARA, 2018). Esses são sistemas muito luminosos, que consistem de uma estrela normal e de uma estrela de nêutrons (ou buraco negro) que se orbitam. Nessa “dança cósmica”, a estrela de nêutrons rouba o material de sua companheira, que ao cair em seu núcleo, emite raios-X tão intensos que se destacam, mesmo estando em outra galáxia.

Concepção artística de um sistema binário de raio-X.
Imagem: NASA Goddard Space Flight Center em Flickr.

Esses raios X expelidos pela estrela de nêutrons, apesar de poderosos, são produzidos em uma região relativamente pequena do núcleo. Se um planeta gigante gasoso, grande o suficiente, transitar na frente dessa região, bloqueará temporariamente os raios-X, revelando sua presença.

Para avaliar essa estratégia, a equipe de Di Stefano pesquisou nos arquivos do telescópio de raios-X Chandra da NASA por sinais de bloqueio de emissão de fontes de raio-X. Eles analisaram 2624 bloqueios de luminosidade suspeitos em três galáxias: M51 (galáxia Whirlpool ou Rodamoinho), M101 (galáxia Pinwheel ou Cata-vento) e M104 (galáxia Sombrero ou Sombreiro).

a. Imagem de raio-X do telescópio Chandra da galáxia M-51. 
b. Ampliação da região quadriculada (em .a) onde está localizado o sistema binário de raios-X  M51-ULS-1 (círculo rosa).
a. Imagem de raio-X do telescópio Chandra da galáxia M-51.
b. Ampliação da região quadriculada (em .a) onde está localizado o sistema binário de raios-X M51-ULS-1 (círculo rosa).
Imagem: DI STEFANO, 2021

Após analisar os dados do telescópio, a equipe identificou um registro altamente promissor na galáxia Rodamoinho. Trata-se de um evento, que ocorreu no dia 20 de Setembro de 2012, em que um objeto bloqueou por completo a emissão de raios-X do sistema binário M51-ULS-1 por três horas. Inicialmente, a equipe imaginou que o episódio poderia ser uma possível flutuação periódica da própria fonte de raios-X. No entanto, ao investigar o histórico do sistema binário, tal flutuação não foi observada no passado. Em seguida, a equipe avaliou a possibilidade do bloqueio ter sido causado por nuvens de gás e poeira. Entretanto, esta hipótese também foi descartada, pois esse tipo de barreira deixaria passar algumas curvas de luz que, inclusive, revelariam algo sobre a composição das nuvens. Assim, após serem descartadas todas as possibilidades a equipe concluiu que a hipótese mais provável para o bloqueio seria a de um planeta, similar a Saturno, passando na frente da fonte de raios-X.

Di Stefano então ficou intrigada, pois, ao tentar descrever em que contexto esse objeto estaria inserido, concluiu que esse não é um local muito confortável para a existência de um planeta. Apesar de estar distante de sua estrela o equivalente a dez vezes a distância do Sol até a Terra, ele deve receber tanta radiação de raios-X e ultravioleta quanto os chamados “Jupíteres quentes” que orbitam próximo às suas estrelas. A região deve ser extremamente instável e hostil com interações astronômicas envolvendo troca de material e energia ocorrendo a todo instante. Logo, por estar em um contexto muito inesperado para um planeta – principalmente após uma provável explosão supernova que originou a estrela de nêutrons – a equipe trabalha também na hipótese desse objeto ser, na verdade, uma estrela anã marrom, companheira invisível de suas irmãs maiores.

Para o astrofísico Ignazio Pillitteri – do Instituto Nacional Italiano de Astrofísica em Palermo – a possibilidade de termos descoberto um exoplaneta fora da Via Láctea é de grande valor para a Astronomia. Contudo, ele gostaria de ver a constatação desse trânsito novamente em outros trabalhos, para comprovar a descoberta.

Já para o astrofísico Matthew Bailes – da Universidade de Tecnologia Swinburne em Melbourne, Austrália – o artigo pareceu um pouco especulativo, pois para ele, a identificação desse planeta só seria possível graças a uma série de “coincidências fantásticas“. Inicialmente, seria necessário que a órbita desse planeta estivesse perfeitamente alinhada com a da Terra. Além disso, esse “efeito eclipse” teria que ter acontecido no momento exato em que o telescópio Chandra estivesse olhando para o sistema binário de raio-X.

Mesmo com as críticas, Di Stefano afirma estar animada com os resultados. O fato de sua equipe identificar uma evidência em uma quantidade tão pequena de observações nos mostra que, provavelmente, todas as galáxias do universo são povoadas por planetas. Para ela isso não foi uma questão de sorte, mas uma evidência incontestável de que, cada uma das infinitas estrelas que vemos no firmamento noturno, possui planetas em sua órbita.

Di Stefano admite que não verá este planeta novamente, pois alinhar um telescópio no momento exato de um eclipse planetário é uma tarefa quase impossível sem conhecermos a duração de sua órbita, que pode levar anos. Ela acredita que a única forma de comprovarmos este método é analisando mais dados históricos de satélites observando outros sistemas binários de raio-X.

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Vídeos

PRIMEIRO CANDIDATO A EXOPLANETA EXTRAGALÁCTICO | SPACE TODAY TV EP2321
Sérgio Sacanifala fala sobre a descoberta do possível primeiro exoplaneta fora da Via Láctea.
Vídeo: Canal “Space Today” em Youtube.

Referências

DI STEFANO, Rosanne et al. A possible planet candidate in an external galaxy detected through X-ray transit. Nature Astronomy, p. 1-11, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 8 nov. 2021.

IMARA, Nia; DI STEFANO, Rosanne. Searching for exoplanets around X-ray binaries with accreting white dwarfs, neutron stars, and black holes. The Astrophysical Journal, v. 859, n. 1, p. 40, 2018. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 nov. 2021.

LENCHUK, Adryan Petry et al. Como identificar exoplanetas. Cadernos de Astronomia, v. 2, n. 1, p. 191-191, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 10 nov. 2021.

Notícias

Astronomers may have spotted the first known exoplanet in another galaxy. Science News, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 9 nov. 2021.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Identificado o primeiro candidato a exoplaneta fora da Via Láctea. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, nov. 2021. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.