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Como a ciência explica a experiência mediúnica de ouvir vozes

A clarividência e a clariaudiência são (supostas) capacidades que algumas pessoas têm de ter visões e de ouvir vozes e sons sem nenhum estímulo externo aparente (BLOM, 2010). Para os espiritualistas – que aqui consideramos todas as pessoas que, independente da religião, creem na dualidade corpo/alma – estas percepções são atribuídas a manifestações de entidades do mundo dos espíritos. Já para pesquisadores das áreas de saúde mental estas são experiências alucinatórias atribuídas à capacidade de absorção da pessoa, que é a predisposição para se desconectar do mundo ao seu redor e imergir em atividades mentais ou universos imaginários fantasiosos.

Como a ciência explica a experiência mediúnica de ouvir vozes -

Imagem: Syaibatul Hamdi. Disponível em Pixabay.

Independente de qual seja a origem dessas percepções, uma questão que intriga os psicólogos é o fato de algumas pessoas associam a clarividência e a clariaudiência a uma experiência mediúnica, enquanto outras, se sentem incomodadas, e preferem tratá-las como distúrbio mental. Estariam essas pessoas sendo sugestionadas por alguma influência externa como religião, amigos ou o próprio ambiente? Ou estariam sendo motivadas por alguma experiência sensorial marcante na infância? Que características psicológicas diferenciam os médiuns de pessoas normais?

Para responder algumas dessas perguntas, os psicólogos Adam Powell e Peter Moseley – da Universidade de Northumbria, Reino Unido – realizaram um trabalho onde foram entrevistados 65 médiuns clariaudientes da União Nacional dos Espíritas do Reino Unido, denominados neste trabalho como espiritualistas, e 143 pessoas aleatórias da população em geral, convocadas através da mídia social (POWELL, 2021).

O relatório da entrevista mostra que, dentre os espiritualistas, 44,6% alegam ouvir vozes diariamente, e 79% declaram já estar acostumados com as experiências, pois elas são tão frequentes que já fazem parte de suas vidas. A maioria dos entrevistados afirma que as vozes estão apenas dentro de suas cabeças, porém 31,7% relatam ouvir vozes vindas do ambiente também.

O relatório também indica que os espiritualistas acreditam muito mais em atividades paranormais do que os indivíduos da população em geral. Além disso, eles não se preocupam com o que outras pessoas possam pensar deles.

A entrevista também apontou que as experiências auditórias nos espiritualistas começam a acontecer, em média, aos 21,7 anos quando eles experimentam um alto nível de absorção. A maioria dos entrevistados nunca se interessou em espiritualidade antes das experiências auditórias, mas acabou procurando grupos espiritualistas para tentar achar respostas quando essas experiências começaram a acontecer.

No grupo da população geral os poucos casos de absorção, quando relatados, também foram atribuídos a crenças em atividades paranormais, mas os relatos de alucinações auditórias foram raros. Em ambos os grupos os relatos de alucinações visuais foram incertos.

Para os pesquisadores os resultados mostram que a experiência de ouvir vozes é algo inerente ao indivíduo, não sendo provocada por fatores externos como pressão de colegas, contexto social ou sugestionamento em virtude de uma crença religiosa. Contudo, os autores preferem não entrar em detalhes sobre as verdadeira origens dessas experiências mediúnicas. O autor Adam Power explica que este é apenas um estudo empírico que tem o objetivo de lançar luz sobre a interação entre crenças, personalidades e a ocorrência de experiências sensoriais anômalas, e que, de forma alguma, pretende explicar a origem, seja ela patológica ou espiritualista, dessas vozes e visões.

Apesar do trabalho mostrar que as experiências de clarividência e clariaudiência não são despertadas por uma influência religiosa, as religiões espiritualistas acabam sendo adotadas por essas pessoas por estarem mais alinhadas com suas experiências mediúnicas. Desta forma, elas acabam fazendo mais sentido para os médiuns, pois “explicam” as ocorrências desde as experiências extraordinárias na infância até os fenômenos auditórios na vida adulta.

Ao comentar sobre o valor científico dos resultados da pesquisa, para outras disciplinas além da psicologia, os autores afirmam que a correta interpretação dessas experiências mediúnicas é de grande interesse científico tanto para a antropologia, que estuda o relato de visões em rituais religiosos, quanto para medicina que investiga experiências alucinatórias do ponto de vista patológico.

Segundo o coautor do trabalho, Peter Moseley, esse estudo nos ajudará, inclusive, a compreender melhor as alucinações auditivas que normalmente ocorrem em pessoas com doenças mentais como a esquizofrenia. Isso porque, como os espiritualistas normalmente associam as experiências auditivas a algo positivo, compreendê-los nos ajudará a entender porque a experiência dos não espiritualistas se manifesta de forma tão desconfortável e incontrolável.

Em trabalhos futuros, os pesquisadores sugerem que o mesmo experimento seja repetido em outros contextos culturais para melhor compreendermos as relações entre absorção, crença e a extraordinária experiência da clariaudiência.

Vídeos

Ouvir vozes - O que isso significa?
A psicóloga Marisa de Abreu Alves fala sobre ouvir vozes.
Vídeo: Canal “Psicólogos em São Paulo” em Youtube.

Referências

BLOM, Jan Dirk. A dictionary of hallucinations. New York: Springer, 2010.

POWELL, Adam J.; MOSELEY, Peter. When spirits speak: absorption, attribution, and identity among spiritualists who report “clairaudient” voice experiences. Mental Health, Religion & Culture, v. 23, n. 10, p. 841-856, 2020. Disponível em: <link>. Acesso em: 2 nov. 2021.

Notícias

Researchers Are Figuring Out Why Some People Can ‘Hear’ The Voices of The Dead. Science Alert, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 15 ago. 2021.

Cite-nos

SANTOS, Gabriel. Como a ciência explica a experiência mediúnica de ouvir vozes. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .


Graduado em Sistemas de Informação pela FEUC-RJ e mestre em Representação de Conhecimento e Raciocínio pela UNIRIO. Fábio é editor e fundador do portal Ciência Mundo. É dedicado à produção de conteúdos relacionados a astronomia, física, arqueologia e inteligência artificial.