Em um desses trabalhos, num experimento coordenado pelo pesquisador Eduardo Fernández (da Universidade Miguel Hernández, na Espanha) uma professora, que estava cega há 16 anos, voltou a enxergar vultos, silhuetas, algumas letras, e até a jogar vídeo game, graças a um sistema composto por um implante cerebral e um óculos com uma câmera. O implante, que permaneceu por seis meses na cabeça da voluntária, não proporcionou nenhum incômodo, prejuízo, ou complicação a vida da ex-professora (FERNANDEZ, 2021).
Segundo Fernández, os resultados foram animadores, pois o sistema se mostrou uma alternativa segura e eficiente para pessoas que perderam completamente sua visão.
No experimento, a voluntária, que se chama Berna Gómez, recebeu o implante de uma matriz de microeletrodos em seu córtex visual durante um procedimento cirúrgico. O implante foi então pareado com uma câmera instalada numa armação de óculos.
Gómez teve que passar por um período de treinamento para aprender a decifrar os dados, que chegavam ao seu cérebro na forma pulsos elétricos, vindos da câmera. Nesse treinamento, foram realizados vários exercícios de percepção, incluindo um jogo de vídeo game que auxiliou Gómez a interpretar os sinais que vinham dos eletrodos. Nesse jogo, a personagem Magie Simpson, eventualmente aparece segurando uma arma, e o jogador precisa identificar em qual das mãos a arma aparece. Utilizando apenas os pulsos que vinham da matriz de eletrodos, Gómez foi capaz de aprender os novos padrões neurais, e interpretar corretamente as imagens.
Gómez, que tinha 57 anos no início do experimento, foi nomeada co-autora do trabalho, devido ao seu desempenho excepcional. De acordo com a equipe de pesquisa, a participação dela foi essencial para o sucesso desse trabalho, já que ela atuou como um membro do grupo, fornecendo respostas clinicamente precisas.
Apesar de Gómez conseguir discriminar letras como “L”, “I”, “C”, “V” e “O”, algumas letras não puderam ser identificadas devido a algumas limitações do sistema que é, ainda, um protótipo, segundo os pesquisadores.
O procedimento que foi realizado em Gómez para inserção da matriz de eletrodos é conhecido como craniotomia. Esse é um procedimento simples, que segue padrões já consagrados da medicina, onde o neurocirurgião remove parte do osso do crânio para expor o cérebro e realizar cirurgias ou implantes. Neste trabalho, o procedimento realizado em Gómez foi chamado de “microcraniotomia”, pois o furo tinha apenas 1,5 cm.
A matriz de eletrodos que foi conectada ao cérebro de Gómez é conhecida como Utah Intracortical Electrode Array (UIEA), uma microestrutura de silício, que permite a implantação simultânea de um grande número de microeletrodos em uma pequena região do córtex (4mm x 4mm). Esse dispositivo foi desenvolvido pelo professor Richard Normann – da Universidade de Utah – que também é co-autor deste trabalho (MAYNARD, 1997).
Apesar dos bons resultados deste trabalho, alguns estudos sugerem que seriam necessários pelo menos 700 eletrodos para fornecer dados suficientes que permitissem, por exemplo, uma pessoa completamente cega, se locomover sozinha (CHA, 1992; DAGNELIE, 2006). Segundo Fernández, nos experimentos futuros a equipe pretende utilizar matrizes com uma quantidade maior de eletrodos.
O professor Normann, que vem a décadas aprimorando o seu dispositivo UIEA, afirma que o maior objetivo dele com esses sistemas de olhos artificiais é possibilitar a mobilidade de pessoas completamente cegas, que passariam a reconhecer rostos, caminhos e objetos, dando mais segurança e independência para suas vidas.
O trabalho, que foi considerado um sucesso, terá continuidade em 2024, quando outros ensaios clínicos serão realizados. O projeto foi patrocinado pelo Ministério da Ciência e Inovação da Espanha, pela Universidade Miguel Hernández e pelo Moran Eye Center da Universidade de Utah.
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Referências
CHA, Kichul; HORCH, Kenneth; NORMANN, Richard A. Simulation of a phosphene-based visual field: visual acuity in a pixelized vision system. Annals of biomedical engineering, v. 20, n. 4, p. 439-449, 1992. Disponível em: <link>. Acesso em: 28 out. 2021.
DAGNELIE, Gislin et al. Paragraph text reading using a pixelized prosthetic vision simulator: parameter dependence and task learning in free-viewing conditions. Investigative ophthalmology & visual science, v. 47, n. 3, p. 1241-1250, 2006. Disponível em: <link>. Acesso em: 28 out. 2021.
FERNÁNDEZ, Eduardo et al. Visual percepts evoked with an Intracortical 96-channel microelectrode array inserted in human occipital cortex. The Journal of Clinical Investigation, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 27 out. 2021.
MAYNARD, Edwin M.; NORDHAUSEN, Craig T.; NORMANN, Richard A. The Utah intracortical electrode array: a recording structure for potential brain-computer interfaces. Electroencephalography and clinical neurophysiology, v. 102, n. 3, p. 228-239, 1997. Disponível em: <link>. Acesso em: 28 out. 2021.
Notícias
SCIENTISTS ENABLE BLIND WOMAN TO SEE SIMPLE SHAPES USING BRAIN IMPLANT. Health University of Utah, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 27 out. 2021.
Scientists used a tiny brain implant to help a blind teacher see letters again. NPR, 2021. Disponível em: <link>. Acesso em: 27 out. 2021.
Cite-nos
SANTOS, Gabriel. Professora cega volta a enxergar letras após implante. Ciência Mundo, Rio de Janeiro, set. 2021. Disponível em: . Acesso em: .